quinta-feira, 1 de março de 2012

A HISTORIA CONTADA - parte II

 Oito de abri1.
Já nos encontramos no navio!
Concluídos os últimos preparativos de viagem, lá pelo meio dia to­mamos um barco que nos levou ao "Brésil" que se achava um quilômetro dis­tante  da terra.
Nove de abril
0 dia  era fatal.
Não me sinto doente, mas seria bem melhor se adoecesse. Cabeça pesada como se fosse de chumbo. 0 chio da água a bater no casco constante, barulho uniforme da helice, acordaram-me varias vezes.
Vinte e dois de abril
A partir das 11 horas ja contemplamos a terra firme.
Terminou o insuportável balançar e os pés, como que não acreditando que po­dem pisar em dura calçada da cidade, tremiam debaixo de nós. Depois de tantos dias de calma, o movimento e o borburinho da cidade grande, pareciam-nos algo estranho, afugentador, mas ao mesmo tempo sentia-se uma necessidade insuperável de algum re­canto para se recolher.
Lastimavelmente as notícias sobre a febre amarela, reinante no Rio de Janeiro, concretizaram-se. Neste ano era mais voraz e a estação epidêmica prolongou-se inusitadamente longe. Uma vez que é pouco hospitaleira para os estrangeiros, por isso nada mais nos sobrou a não ser escutar os conselhos dos experimentados e fixar-se fora da cidade, na Tijuca, onde a permanência é bem mais segura. No dia seguinte de manhã já tivemos o dissabor em relação á nossa missão. Eis que o engenheiro polonês, sr. Rymkiewicz, aqui residente trouxe-nos o diário "Jornal do Comercio", que nos saudou da seguinte forma.
Entrego este artigo em tradução textual, porquanto ele oferece a mais  eloqüente impressão quais devem ser as relações em vista da questão emigratória, já que desta forma eram cumprimentadas pessoas que vem estender a mão a gente infeliz. 0 artigo traz o titulo:
"Russos no Brasil". . "Escrevem-nos de Varsóvia o que segue: Em breve concretizar-se-á o projeto de retornar do Brasil algumas centenas de aldeões, para que esses infelizes, ao narrarem aos seus patrícios sobre a sua triste sorte, que os  encontrou no Brasil, pusessem fim a onda emigratória, dispensável e impensada do Reino da Polônia. Dentro de alguns dias partem de Bremen, o padre Z. Chelmicki, colaborador do "Slowo" de Varsóvia e sr. Nicolau Glinka, cidadão terrestre, para durante algumas semanas estudar a situação dos emigrantes poloneses e fazer retornar ao país 700 ou 800 escolhidos entre aqueles, que assim o desejarem. Os círculos daqui colocam grande esperança na missão de Glinka e pe. Chelmicki.
A missão de que se incumbiram os senhores Chelmicki e Glinka não é meramen­te de repórteres, como o Sr. Dygasinski o qual para interessar seus leitores, deveria ter  imaginação fértil e fantasia. Os novos emissários tem uma missão que muito de perto interessa ao crédito, bem estar e ordem publica no Brasil, para o que chamamos especial atenção do governo. Estes  enviados, sobre cuja vinda saberemos, tem uma missão danosa para o Brasil e com este mesmo direito que as autoridades russas perseguem os agentes da emigração parece-nos que o nosso governo deveria pedir aos senhores Chelmicki e Glinka para aban­donarem o nosso território, tão logo cheguem aqui.
Confesso que há muito tempo não tive alegria igual, como me causou o artigo acima.
Primeiramente, lança ele luz clara sobre as condições, em que haveremos de cumprir a nossa missão..
Em segundo lugar, permitiu-me formular uma imagem adequada, sobre os conceitos libe­rais dos republicanos brasileiros; em seguida, o que é mais importante, sugeria o argumento, excelente para aqueles que em nosso país que ainda tenham alguma ilusão quanto às condições da emigração no Brasil, uma vez que a simples notícia sobre a vinda de dois elementos para trazer ajuda aos emigrantes, com os quais até agora ninguém falou no Rio sobre suas reais in­tenções e missão, serviu para motivo cabal afim de expulsá-los do país, antes que pudessem justificar-se com qualquer coisa a suspeita  de sua atuação nefasta.
É fácil concluir que não dispensei a satisfação para que ao prezado colega de pena, Sr. Rodrigues, não comunicasse minhas reflexões. Pode-se imaginar a cara do senhor Redator ao quem pára a pergunta quanto tempo pretendemos permanecer, respondi que primeiramente pen­samos em permanecer algumas semanas, atualmente porem esperamos, quando, de acordo com o seu orgão seremos despachados para o primeiro navio melhor, que parte para a Europa.
Acrescentei que não tivemos esta presunção que com a nossa modesta missão, pudéssemos paralisar a emigração; desejávamos recobrar os sentidos dos enganados pelos agentes, todavia artigos semelhantes ao do Jornal do Comércio, permitir-nos-ão levar os nossos projetos bem mais avante.                                                                                                                                        Naturalmente no Rio só se falava disto. Éramos apontados com dedo nas ruas. Alguns revoltaram-se com a indecência dos jornais, mas julgo que no fundo estavam satisfeitos com isto; isto revoltava sua preguiça pois ousamos vir para salvar os infelizes na casa deles.
Apesar desta drástica inospitalidade de uma parte da imprensa da Capital, na entrada no Rio não posso deixar de ressaltar um sincero reconhecimento e gratidão para o cônsul russo local, sr. Alvares Franklin e seu filho. Ambos estes senhores desdobravam-se em gentileza e préstimos para conosco. Faziam isto com tal galanteria que em verdade algumas vezes éramos chocados. Igualmente muito gentil mostrou-se o senador Gomenzoro, com grande prestigio no Rio que generosamente ofereceu  sua influência e préstimos. Ao andar por uma rua da cidade, na área do mar, ou nas fétidas zonas encontrar um ser, semelhando a gente, com sinais de doença, com as faces  caídas, olhos  vidrados, abatido, mal se arras­tando, com roupas rotas e com boné surrado na cabeça, não pergunte: quem é? Pode estar certo que é emigrante polonês.
Tal é a indicação apresentada a cada um que a sorte levou para o Rio e o sentimento manda procurar as  infelizes vítimas da desgraça.
No momento da minha permanência no Rio, encontravam-se aproxima­damente 1.700 emigrantes. A maior parte deles são transfugas das colônias distantes, acuados para cá  pelo fantasma da morte de fome, que os aguarda nas matas selvagens, ou necessidades e miséria  nas plantações. Parecia a cada um deles que aqui todo navio que vem trazer um pouco de ar da terra abandonada com leviandade e juntamente com o ar a esperança de um re­torno mais fácil. Não conhecia naquela época pessoalmente, antes pressentia estes coitadinhos, por meio de narrações, a sorte dos colonos em várias províncias, mas prejulgava qual deveria ser a sorte e a sua vinda ao Rio foi ato de grande desespero.
Primeiramente afirmo categoricamente que o clima do Rio para um europeu e especialmente para o habitante  dos países mais afastados ao norte, é simplesmente mortal. Não só a febre amarela, colhendo entre eles numerosas vítimas, já constituía ameaça suficiente, mesmo sem ela a at­mosfera abafada, malcheirosa, o calor a penetrar na medula dos ossos, constitui-se constante e inefável sofrimento. Por isso de 500 emigrantes que vi nos primeiros seis dias de permanência no Rio, não encontrei nenhum, repito, que  pelo menos uma vez não tivesse uma doença mais prolongada. Muitos periodicamente a cada poucos dias caiam doentes. Dores de cabeça, diarreia, fraqueza, chagas, espinhos pelo corpo, eis as mais comuns e frequentes doenças.
Não falo de crianças, pois estas de cara estão condenadas a morte.  Não! não aconselho a ninguém olhar para estes rostinhos tangidos pela miséria, enrugados, amarelentos, onde o anjo da morte já esculpiu sua marca. Não encontrei uma família, que não chorasse a morte do filho único, alguns  ou a todas as crianças.
Mas nisto não está o fim. Muitos chegam a capital com as energias com­pletamente esgotadas. Encontrei algumas dezenas que do Rio Grande do Sul, uma distância maior que de Nápoles a Varsóvia, fizeram a pé, no decurso de três meses, em maior parte com pão esmolado. Caminharam, acompanhando a costa  marítima. Cortaram matas virgens, escalaram montanhas. È fá­cil  imaginar como eles  parecem e quanto estão em condições para um tra­balho pesado que e indispensável para uma vida mais miserável.
Que sorte encontraram durante a viagem que ateste a seguinte narra­ção que procurarei  repetir praticamente ao pé da letra:
- Caminhamos - dizia Mateus, aldeão da região de Rypin - dia e noite, até onde as forças aguentavam. Durante semanas não tivemos na boca alimentação quente. No mato colhíamos frutas, sem saber se eram veneno­sas. De semanas a semanas encontrávamos colônias. Não pedíamos esmolas por­que não nos entendiam, mas de fome chorávamos tão horrivelmente que a boa gente tinha pena e nos davam o que podiam. Em Porto Alegre sepultei a espo­sa e um filho de quatro anos. Conduzia a filhinha Maria de seis anos. A coitadinha desmaiou e não podia caminhar. Carreguei – e a carregaria até os confins do mundo, mas era tão  pobre e magra que a cada instante olhava quando vai morrer. Então um brasileiro a quem Deus não deu filhos,  insistia para que lhe cedesse a minha criança. Pensei que a vida vai fugir de pena, mas como estava para morrer, entreguei. Quis dar-me dinheiro, mas não aceitei, porque significaria que vendi o meu sangue. Preferi prosseguir em  frente, esmolar ou  perecer de fome.
Esta narração durou muito, porque era interrompida por choros con­vulsivos que nunca esquecerei. Tais exemplos em que seja-me Deus testemunha não há exagero, poderia citar a vontade.
Aqueles a quem a sorte foi menos cruel são visões da sorte de seus companheiros e tão abatidos com as narrações e desesperados que com jus­tiça quanto a situação moral e física coloco-os em condições de igualdade. Todos estão aturdidos e como que  bêbados com a desgraça.
E agora, ainda que sucintamente, desejaria, apresentar as condições de trabalho e de vida no Rio.
Primeiramente quanto as profissões, somente as de pedreiro, carpin­teiro e marceneiro mais facilmente oferecem ganhos. Os empregados recebem 3,4 e às vezes cinco mil reis  diários (mil reis, segundo o câmbio atual significa  cerca de 75 kop). Explica-se isto pois o Rio nos últimos anos cresce vertiginosamente em população  e construções. Seguem depois os ferreiros e celeiros. Seus ganhos são piores e mais árduos. Os alfaiates e sapateiros não encontram ocupação. Explica-se com o fato de que e outra a maneira de trabalho é estes ofícios principalmente são executados por fran­ceses e alemães, bem como  por processo de fabricação por muitos  empresários e especuladores. Estes últimos, como afinal todos os emigrantes somente tem um único meio de ganho, como operários nas construções na qualidade de car­regadores de pedras, cal e areia. 0 seu trabalho começa de 1½ mil reis e chega a dois e meio ao máximo.
Para eles construíram barracos, onde por 200 reis, por pessoa (15 kop.) encontram pouso.
Os salários acima, á primeira vista podem parecer razoáveis. Doutra forma  eles se apresentam em vista  do custo dos artigos de vida e em geral da manutenção. Citarei  alguns principais artigos e seu preço; como: 1 quilo de carne custa 500 reis; 1 quilo de feijão - 300 reis; 1 litro de mandioca 300 reis; um pão de milho. Sobre a batatinha não há o que falar, porque esta como artigo importado da Europa, é objeto de luxo. Numa pala­vra segundo os preços atuais a manutenção mais necessária e mais hu­milde de uma pessoa custa 1 e meio mil reis. Deve-se acrescentar a isto mais 200 reis para pouso.
Dirá alguém que uma pessoa poderia desta forma ter a existência garantida de alguma  maneira. Pelo menos! Inicialmente com frequência trabalham pessoas totalmente inadaptadas ao trabalho pesado e cansativo. Estes mal podem  suportar este trabalho pesado três ou quatro dias na semana e nos demais a doença toma o seu tributo. Os mais fortes acostumaram-se ao suor, aguentam, mas ninguém, apesar disto não resistiu ás doenças acima mencionadas de alguns dias  ou até meses, a  uma ou mais delas. Além disto reina entre os emigrantes a prevenção que cada um que cai no hospital tem que morrer. Sofrem eles em barracos ou em casas. Tal doença consome não somente as forças e todos as  possíveis reservas mas lança, por causa da necessidade, em dívidas.
Isto o que falei atinge apenas indivíduos solteiros. O que dizer dos casados e carregados   com família? Aqui reina  uma enorme miséria e isto é acompanhado de uma lenta queda de energias e consequente impossi­bilidade de trabalhar. A sua vida tenho que chamar de uma lenta morte. Isto é uma necessidade inevitável!
Em verdade, recorro a minha mente, como o governo brasileiro pôde permitir, que esta gente chegasse ao Rio, onde tudo se uniu  pa­ra seu aniqui1amento!
Por isso algumas semanas antes, vendo multidões de esfarrapados miseráveis poloneses, perambulando pelas ruas da cidade, a opinião pú­blica começou a revoltar-se para a indiferença  do governo, tanto mais que em função da febre reinante na "ilha das flores", onde se encontra casa dos emigrantes, não foi possível acomodá-los lá e eram obrigados a dormir ao relento, nas praças públicas. 0 governo  decidiu dar um passo decisivo, mas qual? Eis que cercou com exército e polícia os coita­dinhos, forçando a embarcar em navios e distribuir pelas diferentes colônias. Não  passou sem  "Płazów" e abusos, como separação das mu­lheres dos seus maridos, separação de famílias, etc.
A minha vocação, por sua natureza,  permitiu-me ver várias cenas a cortarem o coração. Esta entretanto quando pela primeira vez encontrei-me na igreja, cercado por emigrantes, jamais esquecerei. Ouvi som: choro, mas semelhante a um gemido horrível. Parecia-me que não somente da v i s t a  humana,  mas muros frios, jorravam lágrimas sangrentas  de dor e pena. Senti-me tão abatido e impotente que até as palavras de consolo morreram nos lábios.
         


Se Sienkiewicz disse a respeito do sol  espanhol que morde, a respeito do calor daqui deveria dizer-se que  chupa. Assim, em verdade sentia que ele embebe-se no corpo, nos nervos, nos ossos e devagar suga as energias, a força, a vida. Não há jeito livrar-se dele; castiga tanto no quarto, quanto fora ao sol ou na sombra. Pesa dentro da cabeça como chum­bo, aperta, como se fosse alicate, a testa e recobre toda a pele com uma gordura.
Estas propriedades do calor senti especialmente no Rio, realizando passeio em vários quarteirões dos subúrbios, bem como nos barracos, onde os emigrantes encontraram locação e recordo isto pelo fato de que fazendo a imagem sobre as condições de higiene, destas hospedarias sui generis tem que se ter em mente  o aspeto  climático. Aqui1o que em nossas condições, ainda seria suportável, aqui simplesmente é mortífero.
Como lembrei  anteriormente, a principal ocupação dos emigrantes e na qualidade de operários em quebrar pedras e  seu carregamento nas cons­truções que neste instante parece que nascem da terra no Rio, como cogumelo após a chuva.  Várias companhias construtoras agenciam os emigrantes que vagabundeiam pela cidade e por preços já mencionados oferecem-lhes ocupação e ao mesmo tempo a moradia a preço de 200 reis diários por pessoa, se es­te pouso merece ser chamado de moradia.
De manhã dirigi-me a Vila Izabel, localizada a alguns quilômetros fora da cidade. Desembarcando do bonde e cheguei ao local, por uma estrada mal pavimentada. Uma vez que chovia copiosamente, os trabalhos estacam suspensos e encontrei no barraco todos os emigrantes.
Aquele barraco é um  edifício, feito de tábuas , ás pressas, estreito e comprido, construído em lugar úmido que  por grandes poças d'água mal se pode chegar até lá. Em verdade por isso para que aquela pobre gente não ti­vesse que deitar na água, levantaram o prédio uma braça acima da terra, mas basta  adentrar para se convencer pelo cheiro do mofo sobre  a influência fatal da umidade. 0 barraco abriga 120 pessoas para as quais são estendidas camas de ferro de ambos os lados, em duas filas, uma junto  a outra e so­bre elas alguma coisa semelhante a  colchões, realmente trata-se de um amontoado socado de capim do mar, envolto  em trapo rasgado.
Á minha pergunta, se algumas vezes esses colchões são trocados, foi me respondido:
- Sim, mas somente quando levam alguém para o hospital, ou quando morre; então quando o colchão dele e menos rasgado, colocamos o nos­so pior e levamos aquele.
Essa troca não é raridade, pois quase diariamente levam alguém para o hospital, de onde costumeiramente não retorna mais.
As mulheres, homens, crianças, rapazes e moças dormem juntos. 0 espaço entre os leitos é tão estreito e o corredor  entre as camas que se acham em sentido contrário é tão minguado que mal se pode pas­sar. Aqui soube que além dos 200 reis pelo pouso, nesta toca malcheirosa e embebida de umidade, cada um é obrigado a pagar 1.600 reis ao guarda. Pelos dias santificados, quando alguém não trabalha, ou nos outros quando o trabalho é suspenso, como neste em vista da chuva, os operários não ganham nenhum pagamento. A companhia é tão escrupulosa quanto ao pagamento que deduz  400 reis mensalmente, pelo tempo destinado ao acerto de contas. Não há cozinha que é susbtituida por dois tijolos, arrumados pela família no pátio, onde cozinham em pote, feijão preto, com gordura ou pedaço de carne, se o ganho permitir a tanto.
Não vou descrever a cena dramática (dilacerante) dos cumprimen­tos. Cada um vinha com os olhos marejados de lagrimas e cada um descrevia sua desgraça com soluços. Encontrei aqui uma menina órfã de 12 anos, cu­jos pais faleceram, sustentada por toda a “colônia”.
Dentre todos, chamou-me a atenção uma figura alta, de porte atlé­tico. Era o único não-polonês, o muraviano Francisco Niederle da re­gião de Brno. Comecei a conversar com  ele em alemão e pelas primeiras palavras percebi  que fala  fluentemente  e de forma suscinta e por isso pedi que me descrevesse minuciosamente sua sorte no Brasil. Não era mera curiosidade, mas desejoso de me convencer se os nosos em suas narrativas não exageram e acima disto quando tive diante de mim um tipo de colono forte e esperto e consequentemente suas confissões constituiam para mim um interesse peculiar.
- Cheguei - dizia-me - ao Brasil juntamente com esposa e quatro fi­lhos com finalidade de um trabalho em verdade mais pesado, mas mais lu­crativo do que em minha terra natal. Dirigi-me a Província de Minas Ge­rais onde  na fazenda do sr. Geraldo encontrei alojamento. Parece que agradei aquele senhor, porque  propôs-me que fosse ao Rio com a finalidade de de trazer dezoito famílias moravianas, prometendo por isso um pagamento de 5 mil reis diários. Foi a minha primeira decepção. Ao retornar do Rio, cumprida a missão, o senhor barão somente pagou-me 2 mil reis, de forma que do próprio bolso tive que pagar para as despesas de manutenção na capital. Recebi uma plantação para cuidar, mas em  vez de 6000 pés de café que são medida comum para uma família, recebi 11.000. Isto não é nada disse a mim mesmo, terei mais trabalho, mas em compensação ganharei mais. A mulher, eu e duas crianças pusemo-nos a  um trabalho horrível. Trabalhamos por seis pessoas. Aguardei a colheita. 0 que aconteceu?
Depois 3 meses e meio desse trabalho  cansativo, descontada a manutenção, recebi 36 mil reis. Além disso o fiscal começou a fazer vários desaforos. Não havia jeito, abandonei a colônia e vim para cá.
- Veja , padre - prosseguia, moro neste alojamento e recebo 3 mil reis diários. Todas as reservas esgotaram-se. É possível manter-me com isto com toda a família? Pensei em abandonar  isto aqui e dirigir me em busca de sorte para as regiões da Bahia.
Para a minha  ponderação de que lá o clima é pior e as condições insuportáveis: - Então, - disse a esposa que estava  prestes a chorar - então  temos que morrer aqui! Dito isto tomou com ambas as mãos a cabecinha  da criança menor e dois filetes de lagrimas rolaram pela sua face...
Voltando ao barraco, seu estado lamentável  poderá ser constata­do pelo fato de a polícia a dias atrás  reconheceu-o inadequado pelas condições de higiene e recomendou algumas modificações. A companhia fez protesto e  certamente o barraco continuará intangível.
0 pessoal lembrou-me de dois engenheiros poloneses. Um sr. R. parece ser humanitário e compreensível, em compensação o outro, um certo  silesiano, que tem prazer  não só em  perseguir o pessoal (znecaniu), mas rir de sua sorte. Tem uma aversão especial para as práticas religiosas. Os quadros de santos, escapulários, medalhas, provocam seu desprezo. Não menciono o seu nome na esperança  que talvez estas pala­vras o toquem e  penetrando sua consciência modificara seu procedimen­to indigno.
Da Vila Izabel dirigi-me para outro lado do subúrbio, a Ponte do Caju, distante 75 minutos de trem.
0 nosso caminho seguia  ao longo dos cemitérios.
-     A minha vista pousou sobre tipos característicos de carroças, em forma de um caixão preto, com  uma grande cruz desenhada com tinta ama­rela, com a inscrição em cima:" Hospital São Francisco Xavier". Interessado perguntei ao vizinho de que se tratava. - Estão levando  os mortos de febre amarela para o cemitério,  respondeu-me brevemente.
Compreendi agora o que significavam algumas dezenas de caixões semelhantes, esparramadas por vários cantos do campo. Eram caixões provisórios.
Nesse meio tempo colocaram duas urnas na carroça puxada por um ani­mal que as levou a um grande valo, para o qual despejaram os dois corpos cobrindo com cal e uma camada de terra. Os caixões foram atirados para o lado, pois servirão a centenas de outros, a quem a municipalidade local negou quatro taboas próprias.
Garantiram-me que  sepultam da mesma forma  os outros, mesmo os que morrem não necessariamente de febre amarela, nos hospitais, os quais não foram procurados pela família.
Dez minutos depois achei na Ponte do Caju. È uma localidade suja, mal cheirosa que, em vista da proximidade do cemitério, hospital e cortume torna insuportável. Vencendo  os quarteirões amassando barro,  encontrei no destino.
Estão construindo uma fabrica sobre a água, que ocupa cerca doze famílias de nossos emigrantes, compostas de 36 pessoas, destas oito mulheres e doze crianças. Até há pouco tempo estes coitados dormiam sobre o muro. Posteriormente compadeceram-se deles e permitiram que deitassem num barraco. Entretanto porque aqui escorre a água, ajuntaram tabuas velhas. Não se falava de colchão ou palha. Não recebiam eles nenhum pagamento, somente em dia de trabalho davam-lhes alimentação e isto somente para os adultos. Para a pergunta o que irão ganhar responderam: -Não sabemos, porque não os compreendemos.
São todas famílias camponesas da província da Kalisz. Se disse que apresentam um estado de miséria e desespero, seria pouco. È infelicidade e miséria que foge da imaginação. Tudo é rasgado e esfomeado.
As crianças choram de fome. É impossível não lhes  entregar o ultimo schilling. To­dos  eles retornaram  ao país.  Não era possível deixá-los aqui.
Apesar de ser  três da tarde, decidi ir até Sampaio, para onde vai-se de bonde em três quadrantes (45 minutos).
Lá encontrei uma situação um pouco melhor, do que na Vila Izabel. Para os casais fizeram separações. Em compensação o aperto é maior além do que em vista da baixa construção dos prédios, reina um ar abafado. Lá trabalha­vam cerca de 200 emigrantes, em maior parte varsovianos das mais variadas profissões. Conservaram suas características próprias: tendência para sabidos e mandar com os outros (liderar).  Mesmo que  pagassem regularmente, muitos sobrecarregados com família passavam miséria. Em todo o caso, Sampaio causou me uma impressão menos assustadora do que os outros alojamentos. As doenças reinam igualmente aqui. Não encontrei nenhum satisfeito, todos  tiravam dos lábios para arrecadar para a volta. Especialmente as crianças causam dó, umas sessenta cercaram-me, pegando as mãos e caindo aos meus pês.
Nisto terminei o meu passeio pelos barracos. Talvez aquela "felicidade brasileira" com que os agentes atiçavam os crédulos, não poderia apresentar-se diante dos meus olhos de forma mais monstruosa. A pena é fraca demais para  pintar a verdade real, mas em minha memória vive constantemente o qua­dro vivo desta  horrível desgraça e certamente  jamais o  esquecerei e per­derei de vista.

Veja parte III  http://kieltykabrasil.blogspot.com.br/2013/10/a-historia-contada-por-alguem-que_8928.html


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