sábado, 3 de março de 2012

O LADO TRISTE DA IMIGRAÇÃO



Mito e realidade na história de quem fez do Brasil sua pátria
CECÍLIA PRADA

"Escravos brancos"
O tratamento dos colonos, descrito por Davatz, não se diferenciava muito do que era dado aos escravos negros. Desde o momento em que pisavam o solo brasileiro os imigrantes eram submetidos a um regime autoritário e arbitrário, tratados com rudeza por feitores e administradores – como se fossem apenas uma propriedade do fazendeiro. Encerrados em Santos (SP) em uma "fortaleza" guardada por sentinelas armadas (na verdade um pátio de venda de escravos), só saíam dali para empreender uma penosíssima viagem de duas ou três semanas, subindo a serra do Mar a pé ou a cavalo, em direção às fazendas do interior. Somente os velhos e doentes seguiam em carros de bois, cujos eixos não lubrificados resultavam "em um barulho horrível, um chiado que se prolonga por horas a fio e que intensifica ainda mais o martírio da caravana".
Na falta de hospedarias, todos eram obrigados a dormir em precários ranchos, ou na terra nua, depois de procurar lenha e água para cozinhar nas panelas que deviam levar consigo. E enfrentando o calor, as chuvas torrenciais, a lama, cobras, insetos, doenças como malária, febre tifóide ou o menos grave mas atormentador bicho-do-pé. O pior era que deviam arcar com todas as despesas dessa viagem, apesar de cláusula em contrário do seu contrato.
Chegando à colônia, outra terrível desilusão: as pequenas casas em que teriam de viver eram entregues incompletas – até mesmo sem telhado, ou sem os paus horizontais e o preenchimento de taipa –, correndo o acabamento por sua conta. E deviam pagar aluguel por essa precária moradia. Famílias numerosas podiam ser obrigadas a viver todas juntas em uma única peça ampla, uma verdadeira senzala, durante anos. O desrespeito aos direitos fundamentais incluía a separação de membros de uma mesma família entre fazendas diferentes; a restrição total da liberdade de ir e vir; a impossibilidade de comunicação, até mesmo em caso de doença grave, com os parentes que trabalhavam em outras fazendas. Quem se ausentasse sem pedir licença por escrito e burlando a estreita vigilância, era multado e poderia até ser mantido preso na cadeia do município mais próximo. Obrigava-se ainda o colono a executar outros serviços – fora dos contratuais – na fazenda ou fora dela, em proveito do fazendeiro. Reclamava também Davatz que fossem obrigados a contribuir, apesar de protestantes, para a construção de uma igreja católica que evidentemente não os aceitaria nem como padrinhos de batismo.
Frustrava-se assim o ideal utópico de uma sociedade mais livre e mais justa que traziam consigo. O regime "de parceria", introduzido no Brasil como uma inovação pelo senador Vergueiro, é denunciado por Davatz como uma fraude: na cotação cambial desfavorável do dinheiro que devia ser reembolsado à municipalidade de origem; na cobrança de taxas, comissão, aluguéis, viagens, etc. – não prevista no contrato; na medição, que dizia falsa, dos alimentos fornecidos, ou na parte do café que lhes cabia – era o fazendeiro que estabelecia os preços e comercializava o produto; na meação exercida pelo fazendeiro inclusive sobre os produtos da roça que, pelo contrato, os colonos poderiam cultivar e vender livremente; na ausência de serviços médicos; e, o pior de tudo – no endividamento crônico dos colonos no armazém da fazenda (único lugar em que podiam adquirir gêneros e outros itens necessários), o que alongava por anos e anos a duração do seu contrato, transformando-os em verdadeiros escravos brancos.
Vestígios desse sistema são ainda comuns na arcaica estrutura agrária do nosso país. No entanto, para a época, o regime de Vergueiro representava um avanço e, segundo Sérgio Buarque de Holanda, "tornou-se mais digno de censura pelos abusos a que se prestou do que pelos princípios em que descansa". Esses abusos não eram apanágio dos receptores de migrantes; quase todos os países usavam a emigração como uma verdadeira política de depuração nacional, enviando para o Novo Mundo poucos homens ativos e ordeiros, dispostos a trabalhar, e uma quantidade de "antigos soldados, egressos das penitenciárias, vagabundos de toda espécie, octogenários, aleijados, cegos e idiotas" – com os quais os elementos válidos tinham de arcar, ou que procuravam na primeira oportunidade fugir para os centros urbanos.
Inegavelmente havia, por parte do senador, um nítido propósito antiescravagista, ao tentar introduzir no Brasil um sistema já estabelecido em outros lugares – como o dos metayers do sul da França. Diz Buarque de Holanda: "Foi principalmente pelo seu intermédio que se tornou possível à lavoura paulista admitir o trabalho livre sem passar pelas crises que essa transição iria provocar em outras regiões do Brasil".
Métodos diferentes
A idéia transmitida aos camponeses europeus, de que a nossa agricultura era "de enxada", levava-os a pensar que se trataria apenas de uma horticultura em maior escala. Os que se destinavam às fazendas de café aqui chegavam totalmente despreparados para o trabalho, que exigia técnicas específicas de plantio e colheita. Viajantes do século 19, como Auguste de Saint-Hilaire, relatam que os colonos açorianos se assustavam nas fazendas paulistas diante do tamanho das árvores que tinham de derrubar. O mesmo espanto vemos registrado, um século mais tarde, nas memórias do okinawano Riukiti Yamashiro – a dificuldade no manejo do machado e do facão para esses plantadores de arroz e hortigranjeiros.
É ainda Sérgio Buarque de Holanda, no citado prefácio à obra de Davatz, que analisa esse desajuste, chamando a atenção para o fato de que os métodos europeus de conservação do solo "seriam até perniciosos nos casos em que precisamente a extrema fertilidade das terras surgia como barreira a vencer"; mais adequados às necessidades do país seriam mesmo os métodos de queimada e derrubada, peculiares à "agricultura de índio" praticada por nossos bisavós fazendeiros... cujos frutos amargos só viríamos a colher muito mais tarde.
Em meados do século 20, as mesmas dificuldades eram ainda sentidas nos assentamentos de colonos de outras nacionalidades, como entre os poloneses do Paraná. O mito da "terra prometida" – comum a todos os imigrantes – curiosamente reveste-se, no que se refere à imigração polonesa no Brasil, de uma aura mística: durante os anos que precederam a 1ª Guerra Mundial, corria na Polônia a lenda de que um grande estado – o Paraná – havia sido descoberto no Brasil, ao dissolver-se um grande nevoeiro que durante séculos o envolvera. Obra da Virgem Maria, a grande padroeira da Polônia, que apontara assim o caminho aos seus camponeses, mostrando-lhes a terra que deveriam povoar.
Mas às vésperas da 2ª Guerra Mundial, a colônia polonesa no Paraná parecia duvidar da escolha miraculosa da Virgem, a julgar pela numerosa correspondência que seus membros remetiam a parentes e amigos, repleta de desilusão e de amargas queixas. Esses depoimentos contradiziam de tal maneira os relatórios oficiais, consulares, que as autoridades polonesas ficaram confusas. Em 1939, uma missão técnica foi organizada para avaliar a situação. Nela viria um fazendeiro e especialista em tecnologias agropecuárias, Fryderyk Czapski – que, por circunstâncias políticas, acabaria ele próprio por se tornar um imigrante 

http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=120&Artigo_ID=1407&IDCategoria=1511&reftype=1#box3


As Cartas

Escrevem sobre a terra, inclusive um dos autores estima o solo como bom, citando a sua superfície – 25 morgas com floresta (1 morga – menos de 0,6 ha). «Cada um que não tenha o seu pedaço de pão, então desejo-lhe a ida para o Brasil», onde «trabalharás para si» – escreveu Józef Burda de Curitiba para o pai Adam Burda em Binarowa – . Informava que na região de Curitiba «não existem animais selvagens». Outro autor de uma carta, Adam Wolski, quase dois meses mais tarde, escrevendo para a família em Kowalowy não escondia que, inicialmente, pelos emigrantes espera um trabalho duro, mas decidindo viajar no país deixa a miséria. Na primavera de 1877 o chefe da administração de Jasło convocou os chefes dos municípios a prestar informações sobre as causas e o curso da emigração para o Brasil. O chefe do município de Olpiny, Jan Ryndak, falou das notícias sobre as terras gratuitas, subvenções e boas colheitas, que chegavam aos donos de pequenas propriedades endividados, que não encontravam possibilidades de adicionalmente ganhar dinheiro. 
Dentre os argumentos que deverão convencer os que ficaram no país, em primeiro lugar destacam-se as informações sobre a grande quantidade de terra obtida. A maior norma citada é de cerca de 6 włóka de floresta (uma włóka = 30 morgas), e a menor 30 morgas. As terras obtidas estimavam como férteis, embora alguns reconheciam serem constituídas por florestas, que tinha de ser primeiramente cortadas e queimadas. 
Admiração causavam as árvores, que não haviam visto na Polônia.
De São Feliciano no Rio Grande do Sul escrevia-se sobre as colheitas duas vezes ao ano. Informava-se sobre a subvenção obtida, o cereal para o plantio, sobre o equipamento e edificações baratas, sobre a falta de impostos, mas também sobre a cara manutenção, em casos esporádicos sobre a enorme miséria daqueles que haviam assumido a colonização. 
Sublinhava-se que para o trabalho na agricultura brasileira é necessária uma boa saúde. Inúmeras eram as informações sobre a morte dos mais próximos. Ao lado das afirmações de que a «América. A viagem gratuita em certos períodos provocava a intensificação ou o enfraquecimento da emigração, contudo mais raramente é encontrado na argumentação. «Lembrem-se que mais cedo ou mais tarde um tal trabalho nas plantações espera por vocês, pois nas colônias vocês não conseguem se manter, lembrem-se que vocês são trazidos pelo governo brasileiro somente para substituírem os antigos escravos, Negros!» – advertia uma brochura sem nome editada em 1895 em Lvov, inclusive num tom um pouco mais suave do que seus análogos protótipos da região do Reino da Polônia.
Um reemigrante, também conhecido ativista de esquerda, Jan Hempel, chamava o Paraná «o lugar ideal, verdadeiro paraíso para o camponês polonês pequeno proprietário ou sem terra, que de um pobre sem casa e faminto torna-se um proprietário poderoso de terras, autônomo, cidadão de um país livre». Entretanto, isto alcança após alguns anos de trabalho duro, que exige uma grande resistência, sob a condição de estar acostumado ão trabalho no campo desde a infância.
O mito da América Latina no campo polonês no período das «febres brasileiras». Krzysztof Groniowski 


Um comentário:

  1. Ferlinka, eu Junio gostaria de saber por gentileza de onde extraiu essa carta: 'Outro autor de uma carta, Adam Wolski, quese dois meses mais tarde, excrevendo para a familia em Kowalowy não escondia que, inicialmente, pelos emigrantes espera um trabalho duro, mas decidindo viajar no pais deixa a miséria'. ADAM WOLSKI é nosso descendente Polonês. É muito importante para nós. imail: interj12@gmail.com
    ou 62 993400660 Goiânia.

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