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sábado, 3 de março de 2012

CARTAS DOS IMIGRANTES

CARTAS DOS IMIGRANTES NO BRASIL PARA OS QUE FICARAM NA POLÔNIA

“Partiam atordoados. Libertava-se da penúria, da opressão, da perseguição. Aliciados e iludidos, demandavam o além-mar. Que poderia resistir a tentação?”. Todos tinham casos com o senhorio, com o gendarme, com a caterva de vivaldinos. Os que possuíam coração, os que amavam a Mãe-Terra enxugavam as lágrimas e partiam em busca de areias cintilantes, para do retorno atirá-las aos olhos do inimigo e cegar os tiranos. Abandonavam searas de trigo. Tentados, aventuravam melhor sorte. Sonhavam com minas de prata, árvores leiteiras, frutas-pão, maná em desertos."

Assim Romão Wachowicz inicia sua história Homens da Terra (Curitiba, 1997), sobre a sorte de uma família de emigrantes poloneses no Brasil, constituindo, ao mesmo tempo, a história dos destinos de dezenas de milhares de outras famílias, que, através de décadas, a partir de 1870, co-criaram o Brasil meridional, e, hoje em dia, por intermédio de seus descendentes, co-decidem da sorte do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Os imigrantes que chegavam ao Brasil eram, em sua maioria (95%), camponeses. O Império Russo, ao contrário da Prússia, não lhes permitia emigrar. Para partir, às vezes mesmo para alcançar os portos de Bremen e de Hamburgo na Prússia, eles necessitavam de dinheiro e de um passaporte que só obteriam das autoridades da Prússia, o que os obrigava a emigrar como alemães. Diante dessas dificuldades, após a chegada ao Brasil, dinheiro e documentos eram reenviados aos familiares, realimentando o fluxo migratório. Ao lado desses últimos, outro tipo de documento que atravessava o Atlântico eram as cartas. Alguns fatos incomuns envolvendo essa correspondência merecem nossa atenção.

Embora nem todos os imigrantes soubessem ou estivessem habituados a escrever, o fato é que as cartas se tornaram o único meio de comunicação entre familiares ou amigos e, por isso, foram numerosas. Mas isso seria difícil de provar hoje se não fosse uma prática trabalhosa e, finalmente, pouco eficaz, utilizada pelo Império Russo. Em sua tentativa de impedir a partida em massa, as autoridades czaristas instituíram uma engenhosa prática de triagem, apreensão ou censura da correspondência trocada entre membros de famílias separadas pela emigração. Acreditaram que o rompimento da comunicação frearia o ímpeto emigratório. Em consequência, milhares de cartas enviadas de diferentes países acabaram nas Atas das chancelarias czaristas, sendo recuperadas posteriormente e guardadas no Arquivo Público polonês. Infelizmente, somente uma pequena amostra dessas cartas, 250, foi salva do fogo que se alastrou por Varsóvia quando da insurreição de 1944. Do lote salvo, 60 cartas, chegadas na Polônia entre 1890 e 1891, foram enviadas do Brasil, em particular do Paraná.
Tendo analisado o conteúdo dessas cartas, Kula (1977) nos informa que o tom geral é de otimismo. Segundo esse autor, o objeto da censura eram as cartas que traziam boas novas, enquanto aquelas que traziam más notícias, ou relatos sobre as dificuldades que enfrentavam os emigrantes, eram entregues aos seus destinatários.26 Os relatos de Hempel (1973) confirmam essa tese, porque os testemunhos que ele pôde recolher quando de sua estada no Brasil atestam um grande número de dificuldades - desde os maus tratos quando da chegada à ilha das Flores27 até as doenças, sobretudo o cólera, e o falecimento das crianças, em virtude das péssimas condições de higiene - suportadas nas moradias de baixa qualidade no Paraná e em Santa Catarina onde estiveram inicialmente à espera da demarcação dos lotes.

As cartas "otimistas", normalmente endereçadas aos membros das famílias, frequentemente começavam pela evocação religiosa associada ao estado de saúde do remetente: "Estou com saúde graças a Deus todo Poderoso". Numa ou noutra carta, lê-se a descrição dos cultos, a referência aos padres e às igrejas em madeira. As cartas frequentemente terminavam indicando o endereço do remetente, de fato o nome da colônia onde se encontrava. Em relação aos temas principais, as cartas descreviam as casas e as terras, desde sua fertilidade, passando pela riqueza e diversidade dos bosques (de onde os imigrantes retiravam livremente a madeira necessária à construção de suas casas), até a beleza das paisagens, da vegetação e da fauna, sobretudo os passarinhos. O clima, sobretudo a suavidade do inverno, tinha lugar de destaque. Há muitas passagens sobre o tamanho das propriedades que lhes era demarcada, sendo afirmado que não havia a necessidade imediata de contrapartida em termos de trabalho ou dinheiro. A vida social não era esquecida. A ordem pública vinha em primeiro lugar. Em seguida, a harmonia das relações sociais (inclusive com os ex-escravos), a liberdade, a ausência de "senhores", o respeito com o qual as elites os tratavam e o fato de não necessitarem pagar impostos. Originários de regiões recém-egressas da servidão, as relações sociais "igualitárias", fato surpreendente num país marcado pela escravidão, foram especialmente notadas. Em resumo, o tom era realmente positivo e a situação geral era descrita como boa, por vezes melhor mesmo do que nos territórios ocupados, confirmando a tese da censura das "cartas otimistas".
Eis alguns trechos das cartas (Cartas): “Estou muito melhor do que na Polônia, somente pelo fato de não estar submisso a nenhum senhor” (carta 5); “Querido irmão comunico-te que no Brasil é bom e ficaria satisfeito se você viesse para junto de nós no Brasil, porque aqui nós não temos miséria. Venda sua propriedade e traga consigo o dinheiro porque no Brasil é bom” (carta 44). Não faltam também as cartas que falam sobre os problemas e dificuldades, mas prevalece a fé de que o trabalho dará o seu fruto: “Só é necessário saúde para trabalhar e em breve teremos um pedaço de pão” (carta 76).

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