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quinta-feira, 1 de março de 2012

A HISTORIA CONTADA - parte III




Desde o ano de 1864 até 1872, especialmente do Rio de Janeiro e Santos, chegaram 88.823 emigrantes, ou seja 9.869 em média anualmente. De 1873 até 1886 o número geral de emigrantes elevou-se, somente pelos portos do Rio e Santos 304.796, ou seja 21.771, em média anual. Segundo as nacionalidades chegaram: 110.891, portugueses, 112.279 italianos, 23.469 alemães l5684 espanhóis etc.
Da Rússia nesta época chegaram apenas 417 emigrantes. A emigra­ção maciça do Reino da Polônia, cai somente no ano de 1889 e seguintes, já depois da aplicação de outros meios de recrutamento, a cujo respeito falarei adiante.

De fato, nunca na historia, uma república nasceu de forma mais esquisita. Recuar no ato da abolição da escravatura tornou-se impossível, seria suicídio teórico e em seguida certamente concreto da República. Sobrou apenas um caminho, ampliação o quanto possível dos privilégios da emigração e despertar a esperança de uma emigração maciça que segundo o julgamento de todos os brasileiros e a base do desenvol­vimento, progresso e futuro do pais.
Em tais condições e numa tal atmosfera, surgiu a nova lei  sobre emigração, aprovada pelo titular do governo provisório, Marechal Deodoro da Fonseca aprovada no dia 28 de junho de 1890. Traz no bojo todas as características de  largo crescimento da emigração, na realidade abre as por­tas escancaradamente para toda sorte de especulação e, como veremos, um controle real  sobre a maquina emigratória torna-se impossível.
Na introdução o general Manoel Deodoro da Fonseca, como  chefe do go­verno, anuncia  que em vista da necessidade da vinda de trabalhadores estrangeiros para o Brasil, julga  indispensáveis estabelecer e fixar em leis definidas. Espera conseguir este objetivo pelo menciona­do decreto, cujos pontos principais são os seguintes: Só pode ser aceito no Brasil o emigrante com saúde, capaz para o trabalho e que não seja atingido por uma sentença condenatória. As companhias transportadoras que desembarcarem emigrantes inadequados estarão sujeitas a multas em dinheiro.
Para o transporte  gratuito ou por preços menores tem direito:
a) Famílias camponesas   com filhos e pais, que não sejam acima de 50 anos;
b) solteiros entre 18 e 50 anos;
c) artífices, empregados, etc que  satisfaçam as condições acima prescritas.
0 governo está disposto a  pagar  as companhias de transporte, como prêmio, 120 francos por  pessoa adulta, desembarcada em terra firme, desde que satisfaça as condições estipuladas pelo decreto e desde que se obriguem a não cobrar dos emigrantes, um pagamento superior a 120 francos, o restan­te da passagem. Todas as questões  emigratórias serão dirimidas por uma co­missão especial de inspecção da colonização.
Durante os primeiros seis meses os emigrantes tem direito de exigir mudança de local, inicialmente escolhido. Os proprietários ou companhias que não cumprirem as condições do contrato, podem ser forçados ao cumprimento por via legal. Cada companhia ou agência, que introduzir no Brasil 10.000 emigrantes, receberá 100.000 francos como prêmio em caso de não ter contra si  levantada nenhuma reclamação.
Para o retorno ao país, por conta do governo, tem direito:
1) as viúvas e órfãos, que perderam o marido ou pai, no decurso de um ano a partir da data da vinda ao Brasil;
2) os emigrantes que por motivos alheios a eles tornaram-se  in­capazes para o trabalho, igualmente durante o primeiro ano de sua permanência. Ambas estas categorias tem ainda o direi­to de  receber do governo, como indenização, entre 50 - 150 mil reis. Os colonos recebem propriedade com casa, pagando 25 mil reis por hectare, se a terra não for cultivada e 50 se já tiver alguma cultura. A importância devida pelo terreno, deve ser paga no decurso de 10 anos, cor juros  de 9% ao ano. Em caso de não pagar a parcela, no decurso de dois anos, são obrigados a abandonar o lote, retornando ao proprietário  ou a companhia. As colônias devem situar-se nunca além de 13.000 metros da artéria de comunicação e abrigar grupos de pelo menos 10 famílias.
Durante os três meses de minha permanência no Paraná, somente pude visitar as colônias mais distantes, Curitiba e alguns agrupamentos nos seus arredores. Fui obrigado a deixar para outras oportunidades a visi­ta aos grandes núcleos nas proximidades de Curitiba e Ponta - Grossa.
Decidi partir para as povoações polonesas menos conhecidas pouco descritas
. . .para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, quase ignoradas pela expedição de “Siemieradzki, Hempel e Lazniewski”, realizada em l891. Além disso, um outro motivo levou-me para tomar a decisão: visitar Foz do Iguaçu... A deliberação foi uma consequência dos diálogos que mantive com Saporski, a respeito da colonização polonesa no Paraná. A Foz representa um fator importante para o comércio e para a colonização. È o melhor meio de comunicação com o mar através dos Rios La Plata e Paraná. Tive que fazer uma volta de algumas milhas para realizar um percurso de 500 quilô­metros (sic) a partir de Rio Claro, rumo Oeste. Neste caso a linha reta não é o caminho mais curto, pois seria necessário atravessar algumas cente­nas de quilômetros  de florestas, morros, ou então seguir pelo leito do Iguaçu, totalmente desconhecido, mas tudo indica que é tortuoso, com quedas e cachoeiras. Semelhante percurso por terra firme duraria no mínimo três meses, deveria compor-se de algumas pessoas, boa provisão de alimentos, bem como também outros acessórios.
Parti de trem em lo de janeiro de l896, rumo a Rio Negro.
Ao chegar ao Paraná, tinha dúvidas quanto ao local, onde deveria fixar residência: Água Amarela, onde reina miséria e confusão ou numa das colônias mais velhas, onde há um bem estar relativo. O Padre aproveitou a oportunidade para viajar comigo pelas colônias polonesas catarinenses de Rio Vermelho...
    Antes de empreender esssa viagem, tive a sorte de voltar pela segunda vez a Lucena, distante apenas 4O quilômetros de Rio Negro. Nessa gran­de povoação, encontrei-me sob a proteção do Sr. Wengrzynowski, dono de uma venda. Visitamos as colônias a cavalo, durante um dia inteiro... Mesmo assim  não pude visitar todas . Dirigi-me a mais nova de todas e a mais afastada – Moema. Vimo-nos tontos de tantos cumpri­mentos e brindes que os colonos nos  ofereciam.
Aqui acham-se mesclados os galicianos com os homens do Reino... Existe predominância dos primeiros. Não é fácil distingui-los dos ucranianos, pois tanto na linguagem, quanto na aparência e nos trajes em nada se diferenciam. Impressionou-me o profundo sentimento patriótico de al­guns, certamente sinceros, pois foram confessados em estado de embriaguez e com lágrimas nos olhos.
Visitei alguns conhecidos meus da viagem marítima, entre eles  Skowronek da Galícia Oriental. Organizou uma venda nos confins da civilização, próxima à região habitada por botocudos. Infelizmente esta foi a última vez que o vi. Neste mesmo ano foi horrivelmente trucidado pelos índios. Foi uma grande perda para a colônia. Falava fluentemente o polonês e o ucraniano, gozando de simpatia por parte de ambos os agrupamentos, da mesma forma como entre os elementos que viviam dessa forma por força de circunstancias. Ele era uma alma polonesa de grande fervor.
Passamos pela localidade, onde em 1892 foi trucidada a família Przybylski pelos selvagens.
            Ê  uma região desbastada de matas, onde aparecem outeiros, cobertos de cepos, restos das florestas terras derrubadas inteiramente virgens. A causa dos massacres foi conseqüência da fixação dos colonos em terras onde nenhum branco havia perturbado  a solidão dos indígenas. As famílias Przybylski e Skowronek foram designadas para se estabelecerem em cemitério botocudo, o que constituía grande desrespeito e ofensa.  Trata-se de uma luta entre a "Civilização" e a "Barbárie".
As relações entre eles são na base do porrete de um lado e bala e facão do outro. Os brasileiros mostram-se os mais fanáticos. Dizimavam-nos sem misericórdia e faziam incursões sem cessar, geralmente como represália. São especialistas no massacre: atacam a noite e trucidam todos, sem compai­xão. Pintam-se horrivelmente, pois os selvagens possuem extraordinária faci­lidade para guardar as fisionomias durante anos. Quando reconhecem, vingam a morte. 0 pior em tudo isso é que a luta aqui toma dimensões de sobrevivência... e não há distinção entre culpados e inocentes. Os colonos não podem ser culpados, pois  os massacres são feitos pelos brasileiros, que posteriormeemte povoam com imigrantes as terras arrebatadas aos indígenas. Isso até em cemitérios botocudos.
Os homens mais pacíficos tornam-se selvagens quando são perseguidos com tamanha violência pelos botocudos. As boas relações com os moradores po­loneses talvez trariam resultados positivos para a colonização polonesa.
Retornando a Rio Negro, parti com o Pe. Ossowski em direção a Santa Catarina.Levamos um dia para atingir a localidade de Rio Preto. Aqui existe uma agência postal. Aqui se detém os  viajantes para o pernoite. Carlos Ladislau Kaminski é a principal personalidade local....e praticamente o dono de Rio Preto, situado as margens do rio do mesmo nome.
É proprietário de uma grande venda -considerável estabelecimento comercial,bem como de uma serraria e grandes propriedades de terra nos arre­dores: a vista é magnífica, junto ao rio que corre majestoso e ruidoso, ladeado por outeiros descalvados em parte  ou cobertos de árvores e araucárias.
Rio Preto faz divisa entre o Paraná e Santa Catarina. Trata-se de limites em litígio. Ambos os estados pretendem fixar a faixa limítrofe a  seu favor. 0 comércio de Lucena e Rio Negro demanda Joinville e não Curitiba, fato este que os catarinense aproveitam para as suas pretensões …
Lençol é uma  área alemã, habitada por colonos abastados, estabele­cidos há 50 anos. A prosperidade transparece a cada passo... depois de algumas horas de agradável companhia, prosseguimos a viagem.
Pelo caminho juntou-se a nós um emissário  da colônia polonesa de Rio Vermelho, com o fim de receber o Pe. Ossowski e convida-lo para ficar com eles.
Trata-se do proprietário Paulo Chabanski, que se dedicou a sua missão com grande fervor, decidiu ir até Curitiba e não se separar dele até conseguir cumprir a missão e levar o sacerdote para Rio Vermelho.
Depois de passar Oxford, chegamos a uma cidade inteiramente alemã, São Bento, que até pouco tempo era a sede administrativa da Grande colonia do mesmo nome. Tornou-se município e o núcleo administrativo, sua capital tem aspeto de uma aldeia alemã, melhorada.
Chegamos a Rio Vermelho, pelas 9 horas da noite.
Alcançamos a venda do senhor Narloch, oriundo da Prússia Ocidental -de Kaszuby - o que se deduz de seu sotaque e pelo que dizem os outros que se encontram no negócio. Não viemos desapercebidos, pois estavam ali para nos dar as boas vindas.
0 pai do sr. Paulo Wielewski, que antes foi professor em Rio Vermelho, assinava o "Przeglad Emigracy jny", soube alguma coisa a meu respeito e me recebeu mui cordialmente. Tecia elogios a revista e suas tendências... a palestra transcorria alegre. Todos estavam satisfeitos com a vinda do sacerdote, pois se concretizou uma aspiração de 15 anos. Foi-nos preparado um pouso na canônica que estava um tanto abandonada e despreparada para nos receber.
Passamos a noite em relativa calma. Um tresloucado, conhecido em toda a colônia, veio a cavalo, cantando à moda selvagem em português e ale­mão. 0 galopar do animava e dava impressão de que havia ali uma tropa, princi­palmente para quem havia despertado do sono.
Revólver em punho, pronto para adentrar o nosso quarto, queria arrombar a porta. Nada aconteceu. O louco desceu do cavalo, amarrou-o e cantava,contemplando a lua... montou...a canção e o galopar sumiram aos poucos.
Choraram copiosamente ao ouvirem o sermão em polonês, depois de 15 anos. Fiquei comovido. Suas disposições eram tais que o sacerdote poderia fazer com eles o que bem entendesse... sua influência era visível.
Os próprios colonos mostravam desejo de se organizarem melhor culturalmente, com vistas ao progresso. Os alemães que ali moravam, tinham sim­patias por nossa gente, principalmente o Sr. Brunnquell, proprietário de do moinho em Rio Vermelho.

            Em descrições  posteriores teremos conhecimento se o Pe.Ossowski realizou as esperanças nele depositadas,desde os primeiros instantes.
Rio Vermelho integra a grande colônia São Bento. Esta foi funda­da pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo, há 40 anos, em território paranaense. As terras foram obtidas gratuitamente do Príncipe Joinville, da casa imperial brasileira, em 1849. Fundou o povoado "Dona Francisca", com a capital, Joinville, localizada no litoral, e estendendo-se até a Serra do Mar. Dali idealizaram organizar uma grande colônia para além da Serra, no Planalto, onde o clima é mais ameno. A terra na época era bem mais barata do que  atualmente e os  limites das províncias,hoje estados, não eram rigorosamente respeitados. As provinciais eram administradas do Rio de Janeiro e só com o advento da República tornaram-se estados, da­ta em que começaram a cuidar mais de cada pedaço de terra sob sua juris­dição. Por isso a posse de terras, não pertinentes a ninguém, ou mais preci­samente do governo, não chamavam a atenção de quem quer que fosse. A quem poderia interessar se a terra do Príncipe Joinville possuía 20 ou 50 mi­lhas quadradas, ou se estar localizadas na Provincia de Santa Catarina ou Paraná?
Deve-se ter em mente que o Paraná constituída parte da Província de São Paulo, que por seu turno tinha uma grande extensão de terra, e pou­co lhe interessava uma bagatela de algumas centenas de quilômetros quadrados. Atualmente o estado de Santa Catarina, que outrora era apenas uma parcela localizada entre a orla marítima e a Serra do Mar, extendeu-se além destas, pela fundação da Colônia São Bento e absorveu gran­de parte de outras terras. Agora nutre pretensões para incorporar uma grande parte do Estado do Paraná, em direção ao Oeste,até os limites com a Argentina.
Prussianos orientais e    galicianos povoaram metade da colônia São Bento »0 núcleo polonês  é constituído  por Rio Vermelho»  Em breve transformar-se-á  em cidade. Dali partem as mais  importantes e ex­tensas linhas   da    colônia  S.  Bento...  todas polonesas ou com predomínio dos nossos.   Entre elas destaca-se a linlja Humboldt, totalmente  polonesa e  entende-se por algumas milhas... os prussianos estabeleceram-se ao lon­go de um dos mais curiosos caminhos do mundo, em vista dos diferentes climas que  atravessa.
Inicia em Rio Vermelho,   onde o clima  e  relativamente suave e termina  no sopé da   serra,   onde reina uma  temperatura elevada. As culturas principiam como em algum lugar europeu, onde existem campos de centeio, trigo, ervilhas, batatas, cevada  etc, com vegetação de erva-mate,   exemplares de  pinheiros que conseguiram salvar-se do machado. Na  região tropical    que o caminho envereda, encontramos laranjas, limões, limas, em quantidade,  bem como banas,   figos,  café, algodão e outros frutos que medram em climas quentes,  tais como batata  doce, cará,  inhame..
Uma  estrada  tgo curiosa,   que  perpasse  por regiões tão diversas no  setor climático,   somente existe na Bolívia, que  começa nas mon­tanhas com clima   frio e  finda  na   região tropical.
0  setor de São Bento,  em 1882,   contava  com 4.000 habi­tantes,  dos quais a metade era constituída  por poloneses e a outra por alemães.  Estes localizavam-se  na  área    norte,   as margens do Rio Negro, onde  residiam 1.800 brasileiros.
Depois de  seis dias prosseguimos. 0 Pe.  Ossowski dirigiu-se ate Joinville,  a fim de entrevistar-se e manter conversações com o seu vigário Pe Börgershause.
Durante o dia inteiro viajamos pelos povoados de Campo Novo, eté  encontrar a localidade de Encruzilhada, situada no topo da  Serra do Mar. Ali somente existem dois hotéis. Vimo-nos forçados a pernoitar... no Brasil não se viaja a noite... excepcionalmente poderia ser realizada uma viagem, pois o caminho e bom, construído com esmero e bem conservado.
Partimos pela madrugada  em direção a uma   zona montanhosa, onde apreciei paisagens encantadoras. Ultrapassamos o "castelo dos bugres" - uma estranha  cadeia de  serras, semelhando um castelo em ruínas e o caminho principiou á descer a  Serra do Mar, serpenteando e contornando o declive. Os nossos olhos deleitavam-se com panoramas espetaculares, embora não  possa ser   comparados a maravilhosa  estrada entre Curitiba  e Paranaguá.
            Durante a viagem  sentimos a mudança de clima,   quer em nosso organismo,   quer na natureza,   principalmente  pelo sopro do vento. A vegetação tornava-se mais viçosa,  mate pujante,  mais fantástica,  0 numero de insetos aumentou,   principalmente legiões de cigarras, cujo zumbido consti­tuía-se em musica  que nos acompanhava. Adentramos uma   campina,   amplamente povoada, dando-nos a  impressão de que  estávamos na  Europa Central ou Oriental. Em pleno calor    do meio-dia     chegamos a Joinville, a ex-capital  e  atualmente centro do  setor de Dona  Francisca, e  cidade inteiramente  alemã.  Fundada e  colonizada em  toda  a  planície pelos alemães,  através da  Sociedade Colonizadora Hamburguesa,  desde l849.   Somente nos últimos tempos apareceram os brasileiros. No momento em que me encontra­va no Brasil,   estava  em   organização uma   sociedade de amparo à língua  portuguesa.  Não   existem colonos poloneses, há  alguns    espalhados,   que não se po­de levar em conta.
Conheci o  pe.  católico Börgershausen.   Era um sacerdote de Hanover,   gentil e  esclarecido.  Não    tinha nenhuma  prevenção contra  os poloneses. Elogia-os,   como paroquianos e  lastimava-se   pelo  fato de    não sa­ber a  língua  eslava. Alegrou-se com a vinda  do Pe.   Ossowski.   Entenderam-se perfeitamente no que  respeita à atividade pastoral    e o    ajudante  foi designado  para tomar conta das ovelhas de Rio Vermelho.  
Finalmente o meu navio aportou.  Era o dia  5 de  janei­ro de 1896,  quando adentrou    a baía de São Francisco,   situada a  poucas horas de viagem de Joinville.   Para    não atrasar tivemos que  sair na véspera,   logo apôs o meio-dia.  Navegamos pelo leito do  pequeno rio Cachoeira,  que leva  até o mar.  Somente a noite atingimos a meta, num ambiente chuvoso e de escuridão. A procura de hotel não  fez parte dos momentos agradáveis...  um gaiato carregou os meus pertences.   Deliberou apropriar-se dos mesmo e tentou a  fuga.  Corri ao  seu encalço, amassando o barro e    pisando na  lama  e na água até os tornozelos.    A  chuva  que desabava, parecia  uma  tromba de água e  a  corrida  pelos becos e  ruas tortuosas parecia  não ter mais fim... Arranca­va  as derradeiras energias,   para não perder de vista  o malandro numa noite dessas,  em situação tão complexa,  numa cidade desconhecida e temente perder as minhas coisas.  Cheguei ao hotel molhado até o último  fio.
0 hotel tinha uma  conservação modelar,  mantido por uma   viúva.   Tive  oportunidade de observar os diferentes tipos brasileiros e hóspedes que   percorriam o Brasil.  Havia uma multidão para embarcar,  em demanda de vários lugares. 0 meu navio atrasou dois dias.  Diante de meus olhos passaram vários tipos,   principalmente políticos exaltados. A  politicagem na Ame­rica Latina é pior do que na Galícia. Os temas das conversações versam sobre política, ou   erotismo grosseiro.  Numa  e noutra  primam os mulatos.  Os habi­tantes distinguem-se  por uma  grande esperteza,   bem como por perversidade,   preguiça,  arrogância e  loquacidade.
Os mulatos no Brasil  são descendentes de  ricos pro­prietários das plantações de  café e de  suas escravas-negros.  Os  seus "pais" custeavam sua educação e colocavam-nos em cargos públicos,  bem remunerados. Eis a  razão de  seu partidarismo ferrenho  do governo, ao mesmo tempo grandes adversários  dos Federalistas,  que surgiram, há  alguns anos.  Ouvi a  granel insultos e    ameaças. Veio um grupo de malabaristas japoneses,  que  já tive oportunidade de aplaudir em Curitiba. Divertiram-se à mesa  com brincadeiras infan­tis, pelo menos em nada atraentes para  os demais  convivas presentes...fingiam cantos de galo,  latiam, miavam,  etc...
A  cidade em si é  pobre,   talvez 1.000 habitantes existam ali, sendo que a maioria  são brasileiros: sua situação é  privilegiada,  e com futuro promissor,   depois da maravilhosa Rio de Janeiro.
Poderia   ser construído o melhor dos portos da América do Sul, nas costas    do Atlântico, muito mais carente de baías do que o Pací­fico.   Além disse deverá   ser construída  uma  estrada de  ferro que,  partindo de Joinville,  demandará  o interior brasileiro. Em consequência um futuro    brilhante aguarda a baia de São Francisco,  graças ao porto.    A baia forma a  ilha de S. Francisco,  que  se  oferece montanhosa,   idêntica é a  situação da terra  fir­me,   requebrado ao norte e plana  para  o sul... a baía  é na  parte  sul estreita e de  pouca profundidade,  de maneira  que  somente da  região norte e que passam os navios e adentram o porto.  Por esta via  podem navegar os navios do maior calado,  do que não tem condições de  se orgulharem os maiores portos, como: Buenos Aires,  Hamburgo e Petersburgo.
Ao despedir-me de  São Francisco deleitei-me com a beleza do por do  sol,   que espargia  os    seus  raios suaves  sobre  as águas que mistu­ram o Atlântico. 0 navio penetrou em alto mar,  descrevendo um gigantesco semicírculo, rumando para  o  sul. As costas prosseguem montanhosas.  0 panora­ma  cansa, pois  sempre é  o mesmo quadro,  ainda  que tenha a beleza,  quer nos picos quer nas escarpas dos montes Tatra    e Alpes,  transpostos    a beira-mar. Olhados   continuamente deixam de ter atrativo.
0 navio estava  superlotado de passageiros...  era nata da sociedade brasileira. 
  Estávamos em Des­terro,   chamada desde  alguns anos Florianópolis, em honra ao vice-presidente do Brasil,  Floriano Peixoto,  homem que esmagou a  revolução Federalista.
Em poucas horas estávamos em terra  firme,  num dia  de sol.  A Capital de Santa Catarina,  Desterro,  é menor do que Curitiba.  Não pos­sui mais de 15.000 habitantes.   Sua   situação é encantadora, principalmente o  centro da ilha de Santa  Catarina,   localizada  entre duas baías.  0 estreito que separa    da terra  firme e de apenas alguns metros.  A extensão da ilha atinge 100 km.     0 estreito aparenta um rio de proporções regulares. As cos­tas,  nomeadamente a da  terra  firme  são alcantiladas    e  suas montanhas nos aludem, pois parecem distar apenas alguns passos, que na  realidade  são al­gumas milhas.  0 estreito e de pequena  profundidade e não permite  passagem aos navios de maior calado.
Hospedei-me num hotel de alemães. É modelar no asseio, mas mui­to explorador em bebidas.   0 proprietário é um colono, que enriqueceu   e seu prazer era  tratar nobremente os  seus hospedes,  com a   finalidade de atrair freguesia.  Fui obrigado a dizer-lhe algumas "verdades"  e ameaçar de abando­nar a hospedaria. De imediato,  não encontrei  poloneses.  Na via  principal, "Rua 15 de Novembro",  deparei-me  com e anúncio "restaurante polonês". Não foi em vão a minha  entrada, pois encontrei ali o proprietário, sr. José Szczepanski,  vindo de Varsóvia. Recebeu-me  cordialmente  e  foi prestativo como  se fosse seu irmão. Por seu intermédio conheci outros patrícios, Kaminski e Wiklinski, sapateiros.  Fiz amizade com eles, bem como com suas famílias.    Participava  de  aperitivos e    almoços. Visitei os barracos dos imigrantes, onde  se detém por algum tempo as expensas governamentais,  até se  fixarem definitivamente em seus lotes.  Encontrei homens do Reino e da Galícia, poloneses e ucranianos. Alguns pretendiam deslocar-se ao Para­ná. As hospedarias estavam em excelente situação. Tive a impressão de que estavam em melhor situação do  que as de Curitiba, pelo menos a aglomeração era menor. Deve-se levar em conta o fato de que o Estado de Santa  Catarina é bem mais velho do que  o Paraná  e  recebe  imigrantes há muitos anos.  Os organismos destinados a  receber as levas imigratórias tinham tempo para  se aparelhar.   0 movimento migratório para Curitiba já  se iniciou e continua a  fluir para aquela unidade brasileira.
Fiz quatro visitas ao palácio do Governador Hercílio Luz, mas em nenhuma delas o encontrei. Soube depois que isto não é simples acaso. 0 governador não nutre  simpatias pelos poloneses,   suas relações são de prejudicador a prejudicados. Houve ocasiões em que fugia deles.
O Estado de Santa Catarina  pode  ser dividido em 4 partes: São Bento e  Dona Francisca, com Joinville, Blumenau e Brusque  (estes setores situam-se entre a  Serra  e o Mar), Laguna-Tubarão, igualmente no litoral e a última    é  constituida  pelo planalto de Lages,   além das serras.  0 último setor e o menos povoado, selvagem, completamente descolonizado por estrangeiros,   ao contrário que aconteceu  com os três primeiros que receberam forte contingente imigratório.
Aproveitei o barco que  partia para Laguna,   para visitar primei­ramente a  região  sul do Estado. Embarquei de noite,  pelas 22 horas e a embarcação zarpou pela meia noite. Somente no dia   seguinte  aportamos em Laguna,  em meio a   dia  chuvoso e nublado. Pouca  coisa  pude apreciar   na  cidade,  até    chegar a  estação  ferroviária.
Às 14 horas    parti  para    Bifurcação, donde parte a linha  férrea  para  Imbituva,  e uma  outra  para Minas,  no interior do Estado, para a direção Oeste. Atravessamos uma  ponte de grande extensão, levando seis minutos para  ser percorrida. Não tinha  parapeitos,  causava  a  impressão de que estávamos voando sobre o mar,  vendo ondas de proporções consideráveis, quebrando-se contra  as pequenas ilhas rochosas do litoral.  À noite cheguei a  Tubarão encontrei o pe. Chylinski. de  Poznan.  A  seu respeito tive boas referências em Desterro. Era bom  religioso e polonês.
Não tive decepções.  Ofereceu-me  prontamente  seus prestimos e informações sobre os poloneses e    sobre as colônias.  Em sua residência na cidade de Tubarão pude observar de  perto um Botocudo,   que  recebia educação no colégio dos padres.    Foi capturado há alguns anos,  numa caçada a selvagens. Veste-se,   fala  o português e  não há  perigo que  fugia  para junto dos  seus.   Sabe  que os próprios pais lhe  tirarão a vida  se aparecer vestido. Não é possível manter em cativeiro, um botocudo adulto: não acei­ta alimentação e morre de fome,  depois de alguns dias de falta de liberdade. O  rapaz,  para  a   idade,  é de pequena  estatura,   ombros largos e  peito estu­fado e  sua  tez é bronze-escuro.
Seus lábios ainda não se uniram. Cada botocudo é marcado com uma perfuração do lábio,   que  sempre permanece aberto, mediante um suporte de madeira. Este é feito na  infância e  permite  que assovie assustadoramente,  atraindo pássaros,   imitando  suas vozes.  Fomos brindados com um  desse assobios horripi­lantes.
De suas narrativas pude deduzir quão impiedosa  e anticristã é a  luta  que  se trava   contra  os botocudos no Estado de  Santa Catarina, onde são os mais visados e onde  seu numero é maior.  Fiel aos conselhos do pe. Chylinski,  decidi visitar as colônias de Criciúma, Grão – Pará a fim de me encontrar com éle  em Braço do Norte.                                                                                      
A viagem entre  Tubarão e  Pedras Grandes atravessa  uma   região    semelhante as da Europa. Existem estações em montanhas,  cobertas de  pujante vege­tação, rios, regatos e um número considerável de quedas d'água. Em Pedras Grandes,   pequeno povoado,   que me chamou atenção pela limpeza,   hospedei-me num hotel alemão. 0 proprietário dirigia  ainda uma mercenária e  torno. Tinha vários empregados poloneses. Embora    informado detalhadamente  sobre o caminho    a Criciúma,  defrontei-me  com dificuldades insuperáveis a primei­ra vista. Não consegui    um cavalo,  nem burro. Quando apontei para um pro­prietário, mostrando uns dez muares que  pastavam afirmou que não poderia alugar,   porque estavam cansados. Dois italianos,   suspeitos de  que  sejam levianos,  disseram-me  que em Urussanga, poderia  obter    burros    a vontade.  Segundo asseguravam, aquela localidade  distava  uma hora e meia de caminhada. Todos os meus esforços de  obter montaria  em Pedras Grandes foram inúteis.  Impaciente de permanecer no hotel,  apesar de  que  o proprietário dissesse que deveria aguardar por uma  condução (certamente para  ganhar as minhas custas) abalei-me a  pé.
Os dois italianos acima mencionados    seguiram comi­go, mostrando-se sobremaneira  gentis e  ofereceram    toda  sorte de   ajuda. Suas olhadas sobre  a pasta despertaram minha  suspeita. Soube depois que  semelhante  companheiro a  tiracolo cria  ciúmes e ganancia nos homens simples,   pois julgam que há muito dinheiro, são tentados ao  roubo e o portador  corre  o risco de perder a própria vida.  Os  companheiros sempre  ofereciam-se para  carregar alguma coisa minha.  Acedi,   com a  precaução de  guardar junto de mim o "bocó"  e o revolver,   deixando que portassem a minha  capa de borracha.
Após termos caminhado durante uma hora,  chegamos a uma pequena aldeia  italiana,   onde me separei dos companheiros. Ali soube que até Urussanga levaria  duas horas de caminhada.  Falou-me com  sorriso (sarcástico e me  parecia  desprezivo.  Combinei  com os dois italianos    que nos encontraríamos  num povoado adiante.
Amassávamos o  barro em chuva  e  lama,  não crendo nas pa­lavras do "vendeiro",   pois  julgávamos que ele queria  que pousássemos  em sua hospedaria.  Atolava  até o tornozelo.  A lama era de uma  coloração vermelho tijolo,   e lameando os meus sapatas e  parte das vestes.  A terra  seria última    para  plantação de  café,  pois havia  uma vegetação viçosa  e  pujante. Antes do cair da noite cessou a chuva e  sobreveio um tempo bom. Através de pessoas que levavam carregamento para Urussanga, certifiquei-me que aquela localidade  ainda  distava duas horas. Soube da existência de colono, que  ficava  no desvio lateral.    A chuva molhou-me até o último fio e ao in­vés de prosseguir a  caminhada,   refugiei-me no mato. Percebi que um dos companheiros passou,   galopando,  montado num tordilho. Essa  paragem,  as olhadas estranhas durante a viagem,   fez-me desviar a rota,   em direção a casa do colono  italiano. Não desejava entrar no "rendez-vous"  com os companheiros italianos.  Penitenciava-me do excesso de prudência, mas as minhas dúvidas se dissiparam em 16 minutos,   com o cair da noite.
O proprietário italiano já  havia  cerrado as portas e toda a família  já descansava.  Com dificuldade  consegui entrar em sua  casa e mal cumprimentei o dono,   pois sua  senhora  e as crianças já dormiam.  Serviu-me biscoitos e vinho tinto,   disse-me algumas palavras  simpáticas com re­ferência aos poloneses e  sobre a Polônia. Hospedou-me na estrebaria.  Tudo isto foi feito mediante remuneração.
Era um dia de  sol diáfano e absorvia a  fres­ca  brisa matinal,  contemplava a  natureza  que desperta, até chegar, pelas 9 horas, em Urussanga. Perfiz o trecho  caminhando com passos estugados. Todos a quem perguntava  por aquele povoado respondiam  simplesmente  "é pertinho".
Finalmente  alcancei o lugar tao almejado. Trata-se de um povoado italiano de proporções consideráveis,  compõe-se de uma linha alongada. Na venda informei-me a  respeito de  poloneses. Encontrei um que vinha de Criciúma,   que me tomou sob os seus cuidados.  Ofereceu-me  seu cavalo,   enquanto prosseguiu a  pé. Durante a viagem tive oportunidade de me  inteirar dos detalhes da colônia. Era  agradável ouvir da boca  de um colono palavras de amizade e confiança,  bem como a  compreensão da minha missão no Brasil.
            Levou-me ao escritório da  colonização que,  a  exemplo do que ocorre em todas as colônias,  também aqui era  sede da  administração. Todas as questões colonizadoras, administrativas e  judiciárias concentravam-se num mesmo escritório. Ali encontramos só um funcionário, engenheiro agrimensor,  um letão que mal conhecia  o polonês,  mas dominava  o  russo e o português. Ali reuniam-se vários colonos e  perguntavam-me  sobre a  finalidade da minha viagem, durante duas horas. A  conversa  correu animada.  Ouviram com atenção notícias sobre a Polônia  e  ficaram satisfeitos de que na Polônia  preocupavam-se com eles. Principalmente entusiasmou-se o lituano Andruszkiewicz,   quando soube que possuo parentes próximos na Lituânia e que  são bons conhecidos meus. Convidou-me  para   sua casa  e não me deixou mais,  durante a minha  permanência nesta região.  Em sua companhia visitei as colônias de Criciúma  e Cocal.
            As terras    não me impressionaram,   ainda  que produzam e segundo os conceitos europeus não são nada más...   são consideradas as piores do Brasil. Em Cocal as glebas  são fracas,   do que  se queixam os próprios colonos, que não  são exigentes  quanto aos solos,   pois são ávidos por    terra. A  região apresenta  lombadas,  recobertas de vegetação e mato. Ali,  as serras tornam-se mais amenas,   por causa  da  proximidade do mar.   Quanto mais  se avi­zinham da orla marítima,   praticamente desaparecem,  e mais ainda para a dire­ção da  fronteira do Rio Grande do Sul.
            Ao lado das glebas polonesas,  existem outras,  povoadas por italianos. È a  colônia Nova Veneza.  Nas  colônias de Criciúma  e Cocal moram 70 famílias do Reino da  Polônia e da  Lituânia,   isto é 300 a 400 pessoas.  A primeira  consta de 60 famílias e  300 pessoas e segunda  com algu­mas dezenas ou 100 pessoas aproximadamente. Ambas  são quase totalmente polonesas.  Em Cocal havia muito mais poloneses, mas abandonaram o lugar por  causa do solo inadequado.         
A viagem de Pedras Grandes continuou por uma estrada encantadora, semelhante aquela que atravessei a partir de Laguna. Horas apôs cheguei a uma colônia ítalo-letã, onde se encontra a sede da "Empresa Colonizadora e Industrial", sociedade que possui vastas áreas de terra em Santa Catarina e já organizou várias colônias. A matriz da companhia esta sediada na cidade do Rio de Janeiro e a filial de Orleans é dirigida pelo sr. Stawiarski, oriundo de Czenstochowa. Ele reside mais em Grão-Pará do que em Orleans. Em vista da carta que lhe enviei anunciando a minha vinda, fez a gentileza de me mandar muares com uma carrocinha de confiança.
            Partimos pelas 16 horas. Cavalgava um burro tordilho, pare­cendo um potro, como jamais poderia suspeitar que existam animais desse jaez. O caminho depois da chuva estava excelente. As vistas espe­taculares, com a vegetação refeita pela água. A distância divisavam-se as Serras do Mar, tendo os cimos cobertos com nuvens, enquanto as ladeiras dos morros recobertas do tapete verde das mais variegadas plantas sobressaindo se os cedros, figueiras, canelas, louros, cipós que descem
das copas até o solo. Dentro da mata crescem esbeltas palmeiras, com belas folhagens, tais como, podem ser vistas nos viveiros europeus. Chamam-se palmitos. Deleitei-me até o por do sol, com as paisagens que a cada instante eram novas e inesperadas. Durante a viagem confabulava com meu companheiro, sr. Demaj, procedente da Galícia. Com o cair das sombras da noite, os meus olhos entraram em devaneio. Troteávamos, mas tive a impressão de que batíamos os pés no mesmo local, outras vezes tive a impressão de estar sentado sobre uma máquina que trabalhava uniformemente, ou ainda que estava caindo para um precipício, batendo-me contra árvores, partindo o crânio, bem como tive fantasias de que a escuridão qual avalanche irrompia contra mim. A cavalgadura era o meu guia, pois conhecia melhor do que eu o caminho,  razão por que deixei que andasse sem corrigi-la.
Corríamos tanto nas subidas, quanto nas descidas, Atingimos uma localidade com habitações. Era a sede da Colônia Grão-Pará. Chegamos depois das 9 horas da noite.
            Ali me aguardava o diretor Stawiarski, homem de média idade, que abandonou a Pátria, depois da derrocada do levante, com o co­ração partido quanto ao futuro da Pátria. Calmo e humilde conquistou sua posição pelo trabalho, alcançando a direção, graças a sua capacida­de e honestidade. Casou-se com uma italiana, pessoa que não o iguala em cultura, com quem quase não conversei porque falava um dialeto italiano
            Uma moradia na localidade de Grão-Pará não deixa de ter seu romantismo. Habitavam ali umas 50 famílias polonesas e umas 300 almas aproximadamente. Haviam-se estabelecido ali umas 200 família cerca de 1.000 pessoas, que se retiraram por motivos de ataques indígenas, principalmente botocudos, que os colonos chamam de "buchy". Assassinaram uma menina em pleno meio-dia, enquanto trabalhava. 0 sr. Stawiarski organizou uma expedição contra eles, dizimou-os e extinguiu sua taba, levando grande quantidade de armas, flechas e alguns rapazes. Os índios suspeitavam quem fora o autor, de semelhante revide e não desistiam. Ele e sua senhora não dão um passo, sem estarem munidos de armas de fogo. Os silvícolas fazem-lhes brincadeiras, tais como abrir as por­teiras, etc.., mas não ousam atacar; por causa dos cães amestrados e armas de fogo. Os cães e os muares sentem de longe a aproximação dos selvagens, razão porque dificilmente e excepcionalmente podem achegar-se as construções.
            Hospedaram-me numa casa vizinha, recém construída. Apesar das narrações, realmente fantásticas, a fadiga e o sono fizeram seu pa­pel e dormi como se fora um justo. Sonhei ou mesmo acordado ouvi o la­tir dos cães. Somente conciliei o sono depois de apalpar o companheiro inseparável - o revolver.
            Nos dias seguintes visitamos as colônias da redondeza. A diminuição do número de habitantes não fez decrescer o desejo de sedimentar a existência dos sobressalentes.
0 sr. Stawiarski procura atrair colonos poloneses. Por essa razão encontra-se com freqüência no vizinho Estado. Para os co­lonos, um diretor tão distinto e inteligente é uma sorte grande, tanto mais que ele é um polonês. 0 único empecilho do desenvolvimento de Grão Pará são os botocudos, em vista de seus ataques, e o clima, que é quente e oferece dificuldades para a aclimatação dos nossos, às culturas tropicais. Essa colônia não "cairá", tornar-se-á modelo no cultivo do arroz, cana-de-açúcar, etc... Todavia não sei se o sr. Stawiarski conseguirá trazer maior número de imigtrantes.
Eles pereceriam como gota d'água no mar de italianos, brasileiros e alemães, que os cercam.... Não é fácil pre­ver a  resposta a  semelhante questionário.
            Grão Pará  situa-se em clima magnífico e numa  bela  posição geo­gráfico em meio a montanhas.   Deixei-na  com saudades,  depois de  alguns dias. Dirigi-me a cavalo  fornecido pelo sr.  Stawiarski e acompanhado do fiel com­panheiro Dymaj a  colônia    westfaliana do Braço do Norte. Passamos pelas proximidades de um rio que fora denominado "Warta"  pelo  senhor Stawiarski. Reinam esperanças de que não somente o rio "Warta"  atestará a  passagem dos poloneses pelo setor que visitamos...
            Após um dia de viagem por caminhos serranos,  por uma  região povoada e bela,   chegamos a  colonização dos westfalianos  Braço do Borte.    Admirava a  pujança dos bananais,  altos de um andar e meio e  plantas resinosas que    em muitas ocasiões passam por verdadeiras arvores.
            A bananeira  é uma  planta  que  se compõe de enormes folhas, que praticamente    nascem do  solo. 0 centro dessa alface monstruosa ou repolho, do qual nasce um talo encurvado de    proporções gigantescas, se transforma em bana­na - fruta. Depois do florir do talo, as frutas parecem um  enorme cacho de uva,  como se  estivéssemos numa  terra de promissão,   que duas pessoas mal podem carregar. Com o correr do tempo a   flor transforma-se em "meias-luas",  num to­tal de 20 ou 30,   plantadas em derredor do talo. Aos poucos vai-se inclinando em direção da terra,  devido ao peso.  A  fruta madura  tem o compramento de alguns centímetros,  e mede 2 a  3 cm.  de diâmetro. Sua casca é fácil de remover e  oculta uma fruta doce, farinhenta  e com gosto que lembra as balas inglesas.
            As bananeiras podem formar sebes eficientes, não permitindo a pas­sagem de nenhum    animal de  criação. Essa  planta é considerada joio,   em vista de sua  rápida multiplicação,  A bananeira  produz uma semente,   como se fosse feijão lilás-escuro-cinzento, oculto numa noz espinhosa,   que congrega  8 ou 16 sementes. Destes grãos pode  ser extraído um  célebre óleo.
            Não me encontrei com o pe. Chylinski.  Enquanto o aguardava, e entrei conversação com um colono letão e com os alemães,
            0 letão estava  apegado a  sua nacionalidade, mas  indiferente quanto á libertação do país das mãos dos inimigos. 
             Estava  impressionado com a  potencia da Rússia e Alemanha. Suas energias não iam além de umas orações para que sua nação alcançasse a liberdade... Seus vizinhos em Braço do Norte conservam características de dependência do tzarismo. Conserva fotografias da família do tzar e dos generais russos nas paredes da residência. Conforme a assertiva do meu amigo letão, esses símbolos externos correspondiam aos sentimentos que nutrem interiormente.  São simples, vício de rotina, um costume , embora estranho. Ele mesmo traiu os sentimentos afirmando que os letões deveriam unir-se aos poloneses,   como uma  força  fraterna.
            Os letões não participaram ativamente da revolução de 1893. Não brincaram,  afirmando que não receberiam nem os federalistas, nem os governistas,  mas comprometeram-se a  defender o seu gado. Os esbirros militares, pertencentes ao exército  oficial,  desprezando os estrangeiros,   começaram a  rou­bar seus bens.  0 assovio de uma  bala pôs  por terra  o primeiro valentão, que  se aproximou das reses.  Os demais  desapareceram.  A partir deste momento nao fo­ram perturbados os   nobres letões.  Segundo dizem,   os alemães tiveram semelhante atitude,  em Blumenau. Se os poloneses tivessem tal atitude em todas as colônias, com certeza   teriam    evitado todo  o perigo de guerra. A  falta  de organização e entendimento, foram os responsáveis pela  falta  de  qualquer de­fesa.
            Os  alemães westfalianos pouco me interessaram.  Passei longas ho­ras em confabulação com o proprietário da venda, onde me havia hospedado,  bem assim com o professor da  escola  alemã.  Os alemães oriundos da Westfalia falavam fluentemente o Hochdeutsch. Causou-me impressão sua
pela língua materna,   pouco literária  e  simples,   conhecida  como "Platdeutsch ". Em sua  palestra     animada  e  sincera notei  isto. Essa  língua  é  semelhante ao holandês,  bem mais do que o eslavo ao polonês,  ou a    "Langue d'oc" na França ou o catalão na  Espanha.  È perseguida  e  sufocada  de cima,   em todas as  reparti­ções, júris, literatura  e  publicidade. Não há nenhum jornal nesse dialeto na Alemanha. Existe um periódico na América  do Norte.  Não existe nenhum professor no Noroeste da  Alemanha,   onde 20 milhões servem-se desse dialeto. É curioso que nem o clero a  emprega  para difundir a  palavra de Deus entre os pequeninos, embora  sejam os mais numerosos. O próprio partido Social Democrata  que  procura encontrar apoio nas massas,  não  a usa.  Em circunstancias históricas diferen­tes esse milhões formariam  uma potência  holandesa  e  poderia  ter lugar na Alemanha uma questão semelhante à que existe entre a Polônia e a Rússia ou a “Litwomańska”.
Cedendo-me um cavalo e  guia,   o pe. Chylinski    permitiu que par­tisse.   0 caminho percorrido até  alcançar a  próxima  estação ferroviária não tem nenhuma  particularidade digna  de nota. Era  o prolongamento do panorama  com belas vistas e vegetação exuberante,   quase tropical.  Entre as inúmeras impressões remanecentes de minha  permanência na  América,  a  travessia do rio permanecera  para   sempre.  Julgando-me    mais  sagaz do que  o meu guia, não  segui fielmente suas pegadas, pois,  vendo claramente  o fundo do  rio,  um pouco mais acima,   pensei que  fosse mais  raso.  A pouca  profundidade  de nada valeu,   pois a  correnteza  era  tão forte, que  carregou o meu cabalo e mergulhou até a  cabeça. Acompanhei-o,  caindo até  o pescoço na  água  e bebendo tanto de H²0 ,   ao  tombar da sela.  Mal me  podia   segurar ao  pescoço da  cavalgadura. Ao cair da sela,   quase voando, procurei alguma  coisa, onde me  pudesse amparar,  mas somente  encontrei a sela.  Essa minha  queda  foi a minha  salvação.  0 animal  firmou as patas em terra  firme,   e  desta  forma  alcançamos a  outra mar­gem do rio. 0  sol causticante do mês de  janeiro a junho na  Europa,  encarre­gou-se de  secar as  roupas e os pertences.  Foi rápido,   em vista de estarmos em pleno meio-dia, embora estivéssemos completamente  encharcados. A partir do leito do rio,   galgamos uma  ladeira,   onde  se  encontra a  estação ferroviária.
            Aguardei o trem durante uma  hora  e  parti por caminho já  conhecido até Laguna.  A breve  palestra  que mantive  com um sacerdote alemão,   em Tubarão revolvia a minha mente.  Falei  com ele em alemão. Não podia  conceber  que não fosse um cidadão de  sua terra.  Encontra-se a   postos em meio a  gente semibárbara  e desconhecida,  bem como entre os paupérrimos poloneses,   que,   qual nus entre urtigas,  alegram-se quando    algum estrangeiro domina  sua  língua.
Há  algumas dezenas de anos não existia a  cidade  que hoje conta com 6.000 habitantes. A região inteira era  habitada   por índios    botocudos, dos quais remanesceram muitos cemitérios. Eles afastaram-se da civilização européia, retirando-se  para  os sertões. 0 arqueólogo encontra excelente  campo,   inexplorado até o  presente.  Alguns alemães fazem aqui pesquisas.
A estrutura ôssea do  índio distingue-se  por uma  grande robustez,  a  ossatura  é grossa,  de tal forma  que e difícil de acreditar. Com poucos  recursos poderiam obter-se grandes escavações indígenas e enriquecer museus.  Basta para  tanto estabelecer  relações mais estreitas com o  sr. Ignácio Kwiatkowski. A baia  de  Laguna  é muito segura  e aqui aportam navios de passageiros e  carga  com três metros de  profundidade.   Imbituva é mais funda,  mas menos  se­gura.  Trata-se de uma  cidadezinha, situada  a  30 km ao Norte.  Até ali chega o trem, como local para  exportação de  carvão de pedra  das minas  da  região de Tubarão.  Com a  finalidade de  transportar o carvão, os trilhos da  estrada de ferro foram conduzidos até o  sopé da serra  do mar.   Estação   das Minas. As minas encontram-se    as margens do Rio Bonito, calculando-se em 4O milhões de toneladas, que  poderão  ser exploradas durante 129 anos,   se durante um ano de 300 dias, forem  retiradas mil toneladas diárias. As  reservas das margens do Rio Branco são calculadas para  128 anos  se  forem retiradas 300 toneladas diárias,
            A Companhia  inglesa  proprietária das minas,   construiu também a via férrea.   Os negócios não apresentam muitas vantagens. As  tempestades costumam alagar as minas e  impossibilitam a sua exploração.  Ainda  que  o carvão  seja exportado por Imbituva, Laguna  não    deixa  de  ser centro importante  como entreposto de transporte de  produtos para o interior,   como por exemplo Tubarão. Exporta-se milho,   feijão preto,   arroz,   cafe (em pequena  escala), amendoim, fumo,  mandioca, especialmente  para a  França  e Estados Unidos,   couros e crina. A  especialidade  do  sr.   Kwiatkovski é exportar orquideas  para  a   Inglaterra   e França,   como mencionei acima.
            "Laguna",  o barco aguardado, veio, adentrando a  joia baía,  com horripilante  assovio,   como  se  fosse um animal apocaliptico. Depois do meiodia cheguei em Desterro, após ter-me deleitado  com as orlas escarpadas,   tanto da  terra  firme,   quanto da  ilha  de  Santa Catarina,   em plena  luz do mês de fevereiro. A  ilha torna-se visível quanto mais nos aproximávamos da  capital catarinense.
            Na mesma  noite    encontrei-me na  casa  do sr. Szczepanski. Ali  reina­va um ambiente  cosmopolita.  Encontrava-se um prussiano socialista  que  insis­tia  em chamar-me de ministro e    dizer horrores sobre o  governo  prussiano.
Os italianos cantaram em coro, imitando  seus   padres no canto das "Completas".  Passei os dias na hospitalidade de José Szczepanski, aguardando a chegada do barco,   para   rumar ao norte. Atravessamos a baía   sul,   em direção norte,   passando ao largo    de costas montanhosas, estranhamente  recortadas. 0 nível das águas estava baixo. 0 navio deixava  apôs si uma  faixa escuro amarela,   pois a hélice  revolvia  a  água,   bem rente ao  fundo do mar, remoen­do a lama. Poucas horas depois desapareceu a  ilha  e  pelo movimento do navio percebemos que adentramos em alto mar, deixando o estreito.   Afastamo-nos do litoral e  só nos  aproximamos novamente  quando era  noite.   A costa     era escarpada e  o guia  conduziu a nau por entre  rochas e morros.  Fizemos um gran­de  semicírculo para adentrar na  lagoa, em cujas margens encontrava-se a  ci­dade de Itajaí.  A escuridão havia  encoberto tudo e mal pudemos vê-la. Quando pusemos os pés em terra   firme, depois de  saltar por  sobre os barcos estacio­nados, já  era  noite.  Essa  travessia   por  sobre  os barcos era   secundada  por tábuas colocadas, como pinguelas e    a altura  até a  água  não era  pequena. Foi  um milagre    ninguém  ter caído,   morte   seria   certa  na  escuridão.   Paguei caro a galanteria a uma matrona  brasileira,   que  portava um filho em seu braço direito, enquanto  segurava-no  pelo esquerdo.  Paguei  com a  perda  de um velho chapéu de palha  essa  aproximação romântica  e  agradável...
            Em  Itajaí passei a noite, cercado por um grupo alegre de brasileiros bêbados. Apesar dos avisos dos mais sãos de que todos somos cavalheiros, sumi  furtivamente deste meio.
            No dia   seguinte  palestrei em português com um ancião para quem havia trazido    cartas de apresentação,   chamado    Liberato Pereira, tio do chefe da   colonização no  Paraná.  Narrou-me muitas curiosidades,  dentre os não quis,   que os alemães constituem a maioria  da   população nos  setores de Brusque e Blumenau,  esta pertence aos brasileiros    e  italianos.
            Itajaí é uma  cidade  brasileira,   com pequena mescla de alemães.  É espalhada,   como todos as vilas principiantes no Brasil. Não tem nada  de típico ou característico.
            No  dia   seguinte  parti  Itajaí acima,   num  pequeno barco.  A cor­renteza  não é     forte, embora   o  leito  seja  estreito    e  tortuoso,  como aconte­ce  com todo  rio    das montanhas.
As barrancas planas são recobertas de vegetação viçosa é a relva e pujante.  Ao longe pode  ser divisadas  lombadas.   Chegamos ao entardecer em Blumenau.
            É uma cidade quase exclusivamente alemã,   fundada em 1852 por Dr. Herman Blumenau, vivo ainda e residente na Alemanha. Fundou a cidade a custa de suas expensas. Os alemães se queixam que o fundador não  cuida da colônia,  mas visa tão  so­mente seus interesse e lucros particulares. A vila possui  20.000 habitantes e a cidade conta a quatro mil almas.
            A colônia é próspera no setor agroindustrial  e  tornou-se indepen­dente, o que  significa que veio a ser município com administração  e autoridades autônomas.   Seu acesso ao mar é feito pelo rio Itajaí. Exporta em quantidade produtos agrários e   manufaturados.  Possui uns 400km. de  estradas balidas de rodagem.  Sua exportação vai de 1,5 a 2 milhões de   mil réis,  proveniente de açúcar (800  toneladas), cachaça (4000 hectolitros) ,  milho (1,5 milhão de litros),  mais de 1,5 milhões de kg,  de farinha de mandioca,  1 milhão  de kg,   de    batatinha,  150 a 200 mil  kg de feijão preto. Possui  200 pequenas fábricas de açúcar,  100 moinhos de mandioca, 50 de milho 20 de arroz, 40 serrarias,  20 olarias, 10 fábricas de cigarros, alguns estabeleci­mentos que fabricam sabão, 10 cervejarias, 5 fábricas de vinagre, algumas de vinho, algumas de velas, de manteiga e margarina.  A região possui alguns milhares de cabeças de gado, sendo que outros animais domésticas  ultrapassam o número de 30 mil,  incluindo 3 mil  cavalos e uns 300 muares. Os alemães neste setor constituem a metade da população, uns 20.000 habitantes, causando a impressão de que  seu número  fosse bem mais elevado, por deterem   em suas mãos o comércio e a indústria. Os poloneses e italianos,  recém vindos,   são pobres. 0  setor de Blumenau é mais ou menos como Lucena, Rio Claro, Prudentópolis,   onde, certamente depois de uns 40 ou 50 anos o elemento polonês desempe­nhará papel idêntico ao que  faz    hoje o alemão,  em Blumenau.
            Detive-me em hotel  alemão e  com dificuldade encontrei poloneses. Finalmente encontrei-me na casa do mestre de sapateiro, Sr.  Wenk,   oriundo de Varsóvia. Convidou-me para hospedar-me em sua casa.  A ele  atribuo não  só a hospedagem mas a visita e   contatos com os poloneses,   disseminados neste setor. Montando  seu cavalo e em sua companhia visitei quase toda Blumenau.   Foi um ótimo  colega,   auxiliar e conselheiro,   bem como o  sr.  Kasprowicz de Poznan.  Homem inteligente, jovem e  culto,  em­pregado numa das melhores lojas da cidade, tornou-se verdadeiro guia  numa das partes de minhas visitas.  Trata-se do  Senhor Walkowski,  que na minha opinião é o homem mais ativo entre os nossos em Blumenau e seus arredores.
            Na mesma oportunidade visitei o  sábio da localidade   Frederico Müller. Trata-se de uma personalidade singular, amante da liberdade e da natureza. Ofereceram-lhe cátedras e outras honrarias nas universidades brasileiras.  Rejeitou todas. Alcançou uma idade provecta, mas frutuosa no campo científico. Andava descalço,  trajando roupas de lã (calça e camisa).  Não conhecia outra vestimenta. Alimentava-se princi­palmente com feijão preto. Narrou-me que havia feito uma experiência,   alimentado-se durante 4 meses exclusivamente de feijão. Afirmou que jamais havia se  sentido melhor. Isto  confidenciou-me depois que lhe afirmei que havia feito semelhante experiência du­rante duas semanas. Cansamos de trocar ideias e estranhar porque semelhante alimento não é introduzido na Europa,  tendo em vista seu baixo preço, se comparármos com a batatinha.  F. Müller não parece nenhum excêntrico,   nem amalucado, mas uma criatura pondera­da,   com maneiras cativantes.  Durante a revolução  de 1893,   simpatizava com os federalistas.  Quase foi morto com outros  12 prisioneiros. 0  sábio preparava-os para a morte no presídio, dizendo que em breve terá lugar o jogo  do bolão.  Em pouco tempo  surgirá uma bala entre nós...   não  chegou a isso.   Quando me despedi do respeitável  ancião e  sábio não passou pela mente a suspeita de que daqui  a um ano não estaria mais entre os vivos. Morreu de uma fístula mal  cuidada    no pé.   Este mal   arrebaria qualquer jovem.  Os alemães afirmam que Müller forneceu as principais bases para a teoria evolucionista a Darwin, quando este visitou a América Latina. A exuberante    natureza brasileira teria aberto os seus segredos,  desconhecidos até então de todos. (Johann Friedrich Theodor Müller, conhecido como Fritz Müller - Veja: O amigo que Darwin tinha no Brasil )
            Pelas 10 horas partimos  para Massaranduba, colônia polonesa de  200  famílias,   onde chegamos a noite. Pela estrada batida, passamos ao largo de belas aldeias de colonização alemã;   toda a região é pitoresca,  plaina em trechos,  mas na maioria montanhosa. Ao findarem as serras,  nem sempre    nos aguardavam estradas sofríveis,   em sentido europeu. Em todo o  caso eram as melhores que conheci no Brasil.  Viajamos por entre campos ou florestas densas, semelhantes a jardins de estufa  da Europa,  que são  realmente as matas virgens destas paragens, completamente despovoadas.
            Em Massaranduba ficamos hospedados na residência do  sr. Jakubowski.    É professor da escola e na realidade é tudo. É  professor, pai  espiritual e médico. Ele ensina,   cura,    leciona na capela,  construída sob sua inspiração pelos colonos,   faz palestras e preleções -   conseguiu uma situação  de confiança tal   entre o povo  como  se fosse um sacerdote.  É culto  e inteligente.  Sob este  prisma é o primeiro que conheci  entre os poloneses de  Santa Catarina. 0 lituano casado,  nem sequer se dá conta como  é útil à causa de nossa gente no campo da atividade e através do exemplo. Se cada colônia tivesse um Jakubowski,   com facilidade poderia ser forçada uma liga comercial - sul polonesa,   realmente influente e poderosa. A ligação  com a mãe pátria igualmente estaria consumada;   seria fácil   estabelecer    laços comerciais, enriquecer os nossos museus com amostras da flora e fauna dos lugares habitados por poloneses, fundar nossas sociedades, uniões,  bibliotecas e escolas.
            Massaranduba,   nome dado à colônia,   é uma das maiores árvores brasileiras.  Em Pará,   estado  tropical,   atinge 100 pês de altura a existe em quantidade. Em Santa Catarina é um pouco menor, existente em pequena número, é uma árvore ordinária e    produz leite que é consumido no Pará.   Quando  seca  é uma espécie de  "Gutaperka"....
            A Colônia consta de  200  famílias,  oriundas do Reino.  Trata-se de uma das levas do movimento  emigratório  da Galícia,   nos anos de 1890-1891,   fase conhecida, como  a  "febre brasileira". Encontra-se cercada por elementos estranhos, gente pouco esclarecida,  proveniente de una país escravizado.
Eis a razão porque inicialmente não  está em condições de explorar a natureza e estabelecer os laços comerciais. Não se queixam em demasia. Nas proximidades há colônias mais significati­vas de italianos de Garibaldi  e húngaro alemães,   como  em Jaraguá,   situada na direção de Joinville.  Em Massaranduba ou seus arredores,  estabeleceram-se algumas famí­lias alemãs do Reino.  Causaram-me a impressão de  estarem apolonizados.  Ouvi  de  seus lábios queixas amargas contra o Brasil  e  sentimentos de saudade quando relembrando sua terra natal.   Falavam alemão  e polonês ao mesmo tempo. Nutriam amor e saudade pela Polônia e   só não  retornavam por causa dos altos custos da passagem. Suas famílias eram numerosas e não tinham certeza,  quanto a sua sorte na Europa,  que os aguardaria depois do  retorno. Estes  são os únicos empecilhos que os impõem de retornar a terra onde nasceram.
            Passei  dois dias na hospitalidade do  sr. Jakubowski. Os polo­neses reuniam-se    em grande número na construção  em fase de acabamento,  que servia de capela e escola.  Ali  cantavam sob a direção  do mestre.  Fui  apresentado, fiz uso da palavra,  relatei o que se passa na pátria distante,  apresentei as finalidades da Companhia Comercial  e Geográfica,  que me  enviou em missão até aqui, respondi perguntas, es­timulei  a fundação  de sociedades,   escolas,  bibliotecas e companhias.
            No  dia seguinte rumamos em direção de 3 de janeiro (da­ta histórica do Brasil).  Ali  encontram-se algumas dezenas de imigrantes do  Reino, en­tre os quais a irmã do  sr.   Walkowski. Um grupo mais numeroso de   ambos os sexos reuniu-se a fim de dançar durante a noite inteira.  Tomei parte,  de todo  envolvido por um  sentimento místico  ao ouvir    os acordes da música polonesa que se  espraiavam pelas selvas brasileiras.  Abraçava as meninas polonesas para dançar.
            No dia seguinte deixamos a linha e retornamos a Massaranduba. 0  caminho  serpenteava por entre  a floresta virgem. Tive a impressão de me encontrar numa estufa experimental. Chamaram a minha atenção  as folhas de diferentes coloridos... de um lado eram marrons,   de outro violetas ou vermelhas.  Era realmente um infindável jardim tropical,   cerrado e multicolorido.
            A minha viagem seguinte foi   feita em  companhia doa senhores Wenk e Kasprowicz em direção oposta - o Oeste.   Saindo  de manha,  sem nos deter,  paramos pelo meio  dia em Indaial,  um povoado  considerável  de alemães,  parecendo-se muito  com uma cidade.  As construções eram vistosas,   de material  e  causam a impressão de que  se está às margens do Reno.
Lá encontramos poloneses e hospedamo-nos da residência do  sr. Böm, um arvoeiro. Seu nome  soa alemão,  mas tem um coração polonês, toda sua família,  parentes e vizinhos são poloneses. Não tenho condição de estabelecer um paralelo de nossa situação em relação aos habitantes alemães.
            Cavalgamos durante a tarde inteira pela linha chamada "Polaquia" até Sandweg,  habitada por poloneses da Prússia Oriental, e germânicos da Pomerânia.  A li­nha 'Polaquia - Polaki    em alemão - foi colonizada por prussianos e localiza-se numa belíssima canhada às margens de um rio que desemboca no Itajaí.  Saciamos a sede na casa de  um patrício que nos ofereceu água,  com vinagre e açúcar,  néctar divino para quem está sedento. Rumamos a esquerda para uma descida até Sandweg,  onde nos hospe­damos na residência do abastado polonês,   Alexandre Tarnowski.
            Esta família possui uma balsa.   Ali  reuniram-se os irmãos e famílias vizinhas, algumas dezenas de pessoas ao  todo,  de modo que a casa ficou repleta.  Antes do  cair da noite visitamos sua propriedade. Fiquei impressionado  com o  tamanho  da área de arroz por ele cultivada. Parecia-me uma grande plantação  de cevada.  No meio da mata encontramos uma árvore cortada, de cujo  seio latejava uma espécie de gordura em quan­tidade,   semelhante a óleo.   Segundo dizem, pode ter a mesma utilidade que o óleo de oliveira.  A conversação  teve início com o pôr do  sol. Estavam presentes a família de Tarnowski  e inúmeros convidados.
            A nossa palestra foi alegre e séria ao mesmo tempo. No dia seguinte,   acompanhados da família Tarnowski, rumamos para a Grande Waranów. É uma aldeia cidade  semelhante a que existem na Baixa Silêsia.  Fomos    recepcio­nados pelo  senhor Höszel.  É um galiciano, e assim denominou-se quando o interroguei se era polonês. É um comerciante abastado,  goza de grande estima entre os patrícios, graças a sua seriedade.  Falava fluentemente o polonês.  É casado om uma alemã e toda sua família é germânica.
            Retornamos a Blumenau, via Indaial borrifados por uma chuva verdadeiramen­te tropical,  que    despencou ao  cair da tarde.
As colônias de Blumenau    onde habitam os poloneses, formam os seguintes grupos:
1- Massaranduba - Braço do Norte,  3 de Maio,   7 de Janeiro.    Existem ali mais de 200  famílias,   se    aditarmos os luteranos,  que são poloneses com no­mes alemães.

2- Benedito Novo,   Santa Maria.  Esta última é a mais próxima do Paraná e da colônia São Bento.  Encontra-se habitada por poloneses e letões. Nesta região encontram-se as povoações de    Tigerbach,  Anderbach,   Santa Rosa,   San­to Antônio,  Piranga e Pinheiral.  Em algumas delas os alemães se retiraram porque os poloneses os forçaram a santificar os domingos, ou seja proibindo-lhes trabalhar nestes dias.

3- Agrupamentos na direção de Joinville e do Mar,   rumo Noroeste:  Rio Cedro, Rio  Cunha,  Rio Ada,   Rio Josefina,   Rio Joana,   Rio Carolina,   Rio Miliones (aqui prevalecem os húngaros de fala germânica), Rio  Garibaldi (predominam os ita­lianos)  e  Rio Erta,  visitada por botocudos.

4-    Sandweg, Poláquia,   Grande Warnów e Pequeno Warnów.

5-    Russland - onde se encontram os alemães da Rússia me os lituanos em
Silberach.

Maiores detalhes sobre  as colônias podem ser obtidas com os senhores Jakubowski  e Walkowski.
Ao visitar as redações dos jornais Blumeneue Zeitunjg e Urwaldobote,  con­venci-me de que os alemães sentem-se isolados de seus    patrícios europeus.   Sentia uma espécie de inveja nas palavras: "0 senhor veio  visitar os  seus  compatriotas e o nosso grande embaixador nem se dignou chegar até nós, em Blumenau.  Ninguém aqui nos visita,   como  se não existissem alemães em Santa Catarina. Vocês poloneses cuidam muito mais dos seus...'
Deixei  a hospitalidade do  sr.  Wenk e  segui  em  barco até Itajai.  Exatamente, no momento da partida tive oportunidade de conhecer uma proprietária distinta. Possuía pomares e fazia comércio de frutas.  Fui presenteado  com alguns abacaxis  excelentes. No meu modo de ver,   é o  rei  das frutas no mundo. É saboroso,   suculento,  com  forte odor,   que antes não  tivera oportunidade de degustar. Na Europa o ananás é um pouco azedo e duro. 0 abacaxi brasileiro desmancha-se na boca até o  caule central.
Depois de algumas horas de viagem,  encontrava-me em Gaspar,  localizada na bifurcação  dos riachos Gaspar Grande  e Pequeno.   Ambos desembocam no Itajaí.
Fui alvo da    hospitalidade do irmão do  sr.  Höschel,   abastado comerciante e homem que goza de grande    conceito na região. Fala fluentemente o polonês,  mas sua família é intei­ramente alemã. Vi que ele devotava amor à terra Natal - Galícia. Todavia nutria pouco sentimento de polonicidade. Com certo  sarcasmo perguntava-me se na Galícia,   ainda se canta "Jeszcze Polska nie  zginela..." (A Polônia ainda não pereceu...).  Afirmei-lhe que mais do que em qualquer outra época ... Causou-me a impressão de que está sob forte influência dos padres franciscanos. Não lhes poupava elogios. Entretanto a extraordinária  cordialidade com que me cercou, fez  com que me despedisse dele como  se fosse o melhor dos poloneses.
            Apesar das prevenções do proprietário, parti  depois do meio-dia numa carrocinha em demanda de Brusque, sedo do  setor vizinho  de Blumenau. Nuvens escuras cobriam o  firmamento e   em poucos momentos tive que prosseguir a viagem  em meio  a chuva torrencial,  molhando-me até o último  fio.  Atingi o local   colimado em plena noite.
            Fui á residência do  conhecido  comerciante,  sr.  Börtner do qual me havia falado o velhinho em Itajaí,  que não  era nenhum alemão,  mas polonês. Saudou-me em língua ger­mânica,   demonstrando ser alemão da galícia,   homem que desconhece a língua de sua pátria de origem.  Durante os dias que ali passei  referia-se a nós poloneses, mesmo diante de alemães.  È natural   de Foninka,   mas radicalmente germanizado,  quer no  tocante à língua quer quanto ao  aspecto social.
            Brusque mal  merece o nome de cidade. 0  Governo  estadual não vê com bons olhos este setor...Toda a proteção recai sobre Blumenau, que possui  estradas,   isenção de impostos,   colonização privilegiada, cujas reivindicações são ouvidas com agrado.0 Governador Hercílio Luz trata Brusque  como madrasta.  Existe grande falta de estradas. Por esta razão o progresso da colonização aqui  se desenvolve vagarosamente. Muitas colonias simplesmente estão desaparecendo. Os colonos, impossibilitados de levar seus produ­tos agrícolas as feiras maiores, dependem da boa ou má vontade dos intermediários ale­mães e italianos.  Estes os exploram sem piedade,  como não presenciei  em lugar algum do Brasil.  Formam eles entre  si um convênio,   assim chamado   "ring". A falta de comunicação impede    que  sejam os produtos levados  as feiras maiores  de Brusque ou Itajaí,  onde poderiam vender os produtos,   como milho,   ovos, miudezas,   toucinho,   laticínios,   etc... Os colonos nunca chegam a ver dinheiro.  Veem simplesmente as mercadorias que lhes são impostas pelos "vendeiros". Têm-se a impressão de que o colono não conhece a cor do dinheiro.
Sucedeu que um proprietário, habitante, há anos no Brasil,  mostrou-se completo desconhecedor da moeda desse país...  Por um pequeno favor exigiu    uma recompensa. Dei-lhe um mil reis. Ofendeu-se dizendo que era muito pouco. Quando lhe dei uma moeda de meio mil réis aceitou e até me beijou a mão de alegria.
            Os colonos depois de alguns anos ficarão envergonhados, pois nadarão em abundância de alimentos e não terão o que vestir. Por essa razão abandonam as colônia e vão em busca de emprego. Neste setor existe um trabalho dos especuladores alemães, pois lhes interessa que os campos se despovoem, uma vez que estão situadas em flo­restas exuberantes. Os especuladores cortaram a madeira das propriedades abandonadas e as levam para comerciar. 0 pobre  colono não está em condições de beneficiar-se  destas riquezas. No local  da colônia em decadência, surge a colônia industrial, serra­rias, com pilhas de madeira,  ripas,  vigas,   etc.  Os colonos frequentemente tornam-se operários nestas.
            Com um destes alemães fiz um passeio de dois dias pela colônia Lageado, cujo caminho  conduz por porto Franco.  Para ali demandam os colonos de Lageado,  onde  trocam seus produtos por mercadorias, consideradas as mais indispensáveis. Lá são aguardados como  aranhas pelos dois donos das  "vendas", de nacionalidade italiana. Aguardam novas levas de imigrantes poloneses. Perguntaram-me se entre eles virão homens cultos e abastados.  Em toda parte,  mas especialmente em Lageado percebi uma vegetação viçosa e uma localização excepcional  às margens de  rios semi navegáveis. A natureza parece esforçar-se para demonstrar que é inesgotável;   tem-se  a impressão de que fala.   "Olhai!,  a minha fertilidade não tem limites... Arvores, arbustos, relva, acotovelam-se e sufocam-se,   fazendo  sombra...   Vós,  homens mesquinhos, ganancioso e discordes não  sabeis aproveitar isto"...   Enquanto isso ocorre na superfície,  o  seio da terra  aninha minérios.
            Pernoitei na residência do companheiro  de viagem, um dos especuladores de madeira,  de origem alemã. Parti  de  sua serraria e pilhas de madeira, para uma colônia,   distante alguns quilômetros. Visitei, entre outras a casa do  sr. Estanislau Brasse,   onde me detive por mais tempo. Outrora havia ali  50  colonos poloneses,   agora somente há 19.  As queixas que apresentavam eram as mesmas em toda a parte: riqueza e fertilidade da terra por um lado; impossibilidade    de  chegar ao mínimo bem estar por outro.
            Retornando  a Brusque,   desanimei  de fazer semelhante viagem a Ribeirão D'Oro igualmente e decadência,  em razão dos mesmos motivos acima expostos.
Durante horas tive a oportunidade de dialogar com um alemão, especulador no ramo de madeiras, especialista no setor de Ribeirão D'Oro. A colônia possuía 60 imigrantes poloneses,   dos quais hoje subsistem apenas alguns. 0 próprio  alemão  falou-me que o negócio  de ocupar-se com colonização abandonado é muito proveitoso. Depois de meio  ano de abandono,  o colono  já não possui nenhum direito a ela e o governo pode entregar a propriedade a outrem. Este  é o momento mais apropriado para cortar o mato, ou seja no meio  tempo  que vai entre o abandono e a entrega,  ou mesmo até que  se decida a iniciar uma nova colonização. Pode-se explorar a madeira durante anos sem que haja maiores problemas.
            A Leste de Brusque, numa distancia de 9km., na direção de Nova Trento (Alferes)  encontram-se 40 famílias polonesas, estabelecidas desde 1875, isto é há 21 anos. Soube a respeito deles por intermédio de operários que trabalham em Brusque. Haviam-me indicado dois nomes: Dubiek a Podjacki. Lastimei profundamente por não tê-los visitado, tanto mais que atravessei a colônia. Palestrando com o colega de viagem,   simplesmente não me apercebi  de que estava na colônia.
            Parti  de Brusque  em companhia do  jovem Kiedrowski,  funcionário  da casa comercial  do  sr.  Böttner.  0 rapaz, oriundo  de Poznan desejou  tentar melhor sorte no  Rio Grande do  Sul. Pela tarde alcançamos a cidade que os alemães denominam de Alferes. Detivemo-nos no hotel  de um alemão  rico,   de Tome Gottfried,   chamado  em português por Godofrido.  0  Saxão  recebeu-nos  friamente.  É conhecido  como homem taciturno  e de pouco conversa.   Sabia através do pastor Czajkus que era emissário da Sociedade  Comercial e Geográfica de Lwów e que tinha intenção  de visitar a colônia Pinheira!.  Ofereceu-se como  companheiro de viagem,  proposta esta que por nós foi  aceita de bom grado,  tanto mais que a estrada oferecia perigos,   era ruim nas serras e frequentada pelos botocudos.
Partimos no dia seguinte de manhã. Viajamos, marginando um riacho que corre    garboso por entre montanhas. A estrada era excelente até Vacheguna, colônia polono italiana,   contando com 30 famílias de cada nacionalidade.  Ao  deixar a colônia, entramos numa estrada que poderia ter o nome de  "quebra pescoço", ora subindo,ora descendo os morros.     Certamente no momento em que escrevo ela pertence ao passado  e deu lugar    a uma estratégica. Mas, ficou para sempre em minha memória.
Do lado direito existem precipícios desnudos ou recobertos de vegetação, enquanto do lado direito escarpas perpendiculares. 0 caminho estava lamacento. Os nos­sos animais atolavam de tempo a tempo, mal podendo galgar as ladeiras lisas e íngremes. Na descida éramos obrigados a descer para saltar ou rolar alguns metros. Para cúmulo da sorte já era escuro e era impossível  ver a altura  em que nos encontrávamos.  "Fomos forçados confiar nossa sorte aos animais. 0  nosso  coração batia,  só  em pensar que a qualquer instante algum botocudo desferirá alguma flecha aninhado numa das árvore. Consolava-me,   sabendo que os    selvagens nunca acertam o alvo  em movimento e que costu­mam atacar   pelo meio dia e raras vezes ao anoitecer. Em determinado instante o sr.Gottfried tornou-se uma massa amorfa,   agitando-se diante de meus olhos,  pois cavalga­va na vanguarda.  0  companheiro Kiedrowski  salta do  cavalo e   vai  em seu socorro.  Faço o mesmo,  correndo  a pé. Ao  chegar até o local, percebemos que estava sumindo dentro da terra com a cavalgadura. Agarramo-lo pelas roupas,   a fim de  salvá-lo  do  atoleiro e precipício no qual  estava caindo.  0 cavalo já havia atolado até o pescoço e não po­dia ser retirado,  apesar de tentarmos segurá-lo pelos arreios, para que não afundas­se,   ainda que somente a cabeça estava de fora.  Gottfrie ao já recuperar os sentidos começou a chorar e chamar pelo cavalo   "Schimmel, Schimmel" 0 pobre  animal   com os olhos esbugalhados,   debatia-se para  sair do  atoleiro.   Corria-se  grande risco para retirá-lo do  atoleiro. 0 proprietário, com lágrimas nos olhos   segurava os arreios com ambas as mãos,   enquanto olhava compadecido. Era forçoso  dirigir-se  até  a colônia Pinheiral,   que ficava um pouco distante. Pusemo-nos a caminho com Kiedrowski deixando Godofredo  à sua sorte,  quiçá nas mãos de botocudos. Pelas 19  horas a noi­te desceu.  Corremos a pé,  pois era impossível  viajar a cavalo na escuridão. Meu companheiro, que tinha boa vista ia à frente, procurei  segui-lo, quase   às cegas,  caindo a cada passo  em poças d'água,   que eram bem mais seguras do que os precipícios.   Se não tivesse o meu  "guia", certamente teria rolado num destes despenhadeiros,   situados a  nossa direita.  A estrada prosseguia descendo. Somente depois de uma hora de caminhada alcançamos uma    baixada,   esgotados     com o  esforço dispendido.
 Ali  encontramos barracos abandonados que a que tudo indica, pertenceram a colonização,   como hospedarias. Batemos,  andamos em derredor. Ninguém nos atendeu. Prosseguimos em frente. Uma meia hora depois encontramo-nos em frente a caminhas,  pertencentes aos nossos. Eram galicianos e em cada   casa moravam da 4  a 5 famílias.
            Todos levantaram-se e prontificaram-se em socorrer.  Munidos de machados,  facões,   cortadeiras,  cipós e espingardas (essas contra os botocudos)   tomamos o caminho de volta.   Convencemo-nos de que o sr.Gottfried era muito estimado. Mal  tivemos con­dições de  ficar de pé. Indicaram - nos a venda do  sr. Felski,   da Prússia Oriental. Ali pousamos, ouvindo histórias  sobre os botocudos que recentemente orga­nizaram um assalto a Pinheiral,    trucidando algumas pessoas. No dia seguinte soube­mos que o  socorro ao  sr.Gottfried veio  somente pelas  22 horas e que o mesmo passou desde as 19  horas,  segurando o animal pelos arreios,   a fim de  salvá-lo  do atoleiro fatal. Trabalharam,   escavando  a terra  em derredor do  animal. Quanto mais terra reti­ravam, afundava mais, pelas quatro horas morreu.    Retornaram a casa com   a minha cavalgadura e com o muar do Kiedrowski.  Vimos o  sr.   Gottfried,   na manha seguinte, dormindo na residência de outro comerciante  da Prússia,   sr.    Dubialia.
A colônia Pinheiral parece uma porção  de  terra,   como  se fosse  transplantada do Paraná. Trata-se de pequeno planalto onde reina clima diverso das regiões do lito­ral   catarinense.   A temperatura e a fauna são outros.  0 pinheiro  chama especial  atenção. Habitavam ali  200  famílias de colonos poloneses,   atualmente somente existem 50.     Retiraram-se por causa dos botocudos.  Os remanescentes não  tem propósitos de sair. Além  dos prussianos orientais,   encontram-se  ali poloneses e ucranianos e  segundo minha observação prevalecem os segundos. A colônia Pinheiral tem perspectivas de pro­gresso, a partir do instante em que realmente começou a construção da estratégica. A comunicação, fator principal do progresso,será facilitada. Várias  turmas estão trabalhando na construção  da estrada. Entre outros, observei um judeu característi­co que  se  distinguia pela aplicação no  trabalho, movimentando  a pá, cortadeira. Os   ucranianos queixaram-se de que os  chamam de  "moscovitas",   "ortodoxos". Manifestei minha desaprovação perante tal  atitude e na oportunidade dirigi algumas palavras, aconselhando harmonia,   amor e respeito mútuo nesta nova terra,   bem como propus a fundação de uma sociedade. Retornamos  a Pinheiral,  alguns a pé, outros a cavalo.
Em  certos trechos a tensão nos  era grande, como pudemos passar na escuridão sem cair no precipício. O caminho era realmente barrento. Paramos no local, onde havia atolado o animal do Gottfried. O Cavalo morreu quebrando a espinha dorsal. Estava dobrado com as patas traseiras a pino dentro do lodaçal, o ventre e a cabeça reclinados para o lado... Por isso não afundou mais... Ao meu lado o túmulo escavado e a terra retirada, formavam um monte, como se fora uma sepultura. Retornamos entristecidos a Nova Trento.
Prosseguimos a peregrinação no dia seguinte, e pela tarde encontramo-nos nas  costas do mar... em Tijucas... andando por   caminhos sempre montanhosos.  Aqui não aportam navios,  razão porque tivemos que rumar até Desterro, por meio de canoa ou a cavalo enfrentando morros difíceis e cansativos. Preferimos canoa a vela.  Os únicos tripu­lantes eram o pai e o filho,   donos do meio de transporte. Afirmaram-nos que num dia chegaríamos à Capital  de  Santa Catarina.
Envenenamo-nos num restaurante alemão,  de forma que sofremos do mal  maríti­mo,   antes de nos  encontrarmos sobre a água. Partimos com vento  favorável  pelas 10 ho­ras, rufando em direção sul.  A viagem prometia ser maravilhosa. Afastamo-nos longe da costa,  penetrando  em seguida num longo  canal,   formado pela ilha de  Santa Catarina e por terra continental. A costa escarpada deixava dúvidas quanto à direção do  vento: poderá ser tanto  do  sul,  quanto do norte.
Parecia-me que  seria do norte.  De repente,  contrariando as previsões de nosso  timoneiro, veio uma onda de vento  contrária. Tornou-se impossível avançar. 0  céu se nublou e fomos forçados a buscar a terra firme. Penetramos numa baía deveras segura,   mas desabitada.
0 vento nao mudava. 0 canoeiro não aceitava prosseguir por nada neste mundo. A minha paciência havia-se esgotado e disse -lhe que prosseguiríamos com os pertences a pé".., ainda que isto nos custasse dois dias de perambulação. Não se comoveu, dizendo que a vida lhe  era mais cara do que o ganho com o  transporte.  

Veja Parte 01

5 comentários:

  1. Boa tarde então li achei legal gostaria de saber um pouco mais sobre o pé. Ossoswski ou de onde tirou informações para eu mesmo procurar.ivan_tudo@yahoo.com.br

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  2. Boa tarde então li achei legal gostaria de saber um pouco mais sobre o pé. Ossoswski ou de onde tirou informações para eu mesmo procurar.ivan_tudo@yahoo.com.br

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  3. Oi Ivan

    Você perguntou sobre o padre Ossowski após ler o livro do Padre e Jornalista Zygmunt Chelmicki no blog http://kieltykabrasil.blogspot.com.br/2013/10/a-historia-contada-parte-i.html


    Bem, na verdade não sei nada sobre o Padre Ossowski.

    Achei este livro de 1892 que descreve a região sul do Brasil, Paraná e Santa Catarina e como eram ascoisas na época. Achei muito interessante porque moro na região e sou descendente de poloneses. Achei muito inspiradora toda a história. Original: http://czytelniabrasil.blogspot.com.br/2010/09/pezygmunt-chelmicki-no-brasil-segunda.html

    Creio que nos registros de igrejas mais antigas de São Bento do Sul deve ter informaçãoes do Padre Osswski.
    Em 1896 (quatro anos depois de mencionado no livro) ele batizou uma menina chamada Catarina Bail na Capella de Santa Cruz em Bechelbron. Esta capela fica (eu acho) em Rio Vermelho, entre São Bento do Sul e Jaragua do Sul onde tem uma estação de trem de turismo.
    Veja no link: https://coisavelha.wordpress.com/2007/10/

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    1. Boa noite,
      Então obrigado pela dica vou verificar aqui na cidade tem um biblioteca bem antiga

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  4. também:

    https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/sc_gen/info?yguid=278187480

    É um grupo fechado, de genealogistas, é superinteressante.

    Noutro blog é citado João Ossowski: http://paroquiacristoreiabc.blogspot.com.br/

    e em outro sobre historia de São Bento é citado
    Francisco Ossowski como tendo casado em 1897:
    https://saobentonopassado.wordpress.com/category/historia-e-genealogia/page/28/

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